Crítica - Titane (2021)
Lindo, bizarro, assustador, tenso, excitante, chocante, confuso, tudo isso ao mesmo tempo.
Finalmente assisti esse filme, que foi tão falado, teve tanto bate boca, foi esnobado na pré-lista do Oscar de Melhor Filme Internacional, venceu a Palma de Ouro em Cannes, um filme extremamente divisivo e eu sinceramente me perguntava: "por que causou tanta divergência?" e enquanto eu assistia a resposta veio para a minha cabeça pouco a pouco, não é um filme para qualquer um, é um filme bizarro, que envolve cenas com um gore chocante, que pode causar ânsia de vômito, é um filme que a cada segundo você simplesmente vai se perguntando: "que p*rra é essa?" e eu consigo entender perfeitamente quem gostou e quem desgostou do filme, tem um pessoal que é mais incel e perturbado que vai achar a oitava maravilha do mundo por ser um filme cruel e mirabolante e tem o pessoal que é mais light e fresco que vai achar o pior filme de todos os tempos por ser muito pesado. Eu, sinceramente, não achei nenhum dos dois, vi o filme de boa e notei coisas muito boas e coisas que eu desgostei veementemente, mas no geral foi uma experiência positiva.
Primeiro gostaria do grande trabalho de direção da Julia Ducournau, que consegue fazer um filme extremamente provocativo (e conseguir), é um filme que quer ser assim mesmo, mais punk, extravagante, pirado, assustador e que, de forma iminente, causa uma grande divisão, assim como grande parte desses terrores psicológicos. Julia Ducournau é uma boa diretora, ela consegue fazer um filme onde é possível rir, admirar o visual, se chocar, vomitar, se confundir, ficar tenso, ficar um pouco animado demais, se surpreender, tapar os olhos e ficar com cara de bunda, poucos diretores tem um domínio tão grande ao espectador e ela consegue fazer tudo isso, não aconteceu tudo isso comigo, mas aconteceu algumas dessas coisas com todo mundo que viu a obra, é um filme que causa emoções, sejam elas negativas ou positivas e eu considero isso um ponto positivo, ela cumpre o papel que um diretor deve ter. E, gostando ou não, é impossível dizer que é um filme que não prende, a Julia faz um filme que te prende até o final seja por um lado bom ou ruim, você fica vidrado vendo aquilo e meus sentimentos ao ver o filme foram só perguntar para mim mesmo que que estava acontecendo. Acho que Julia cumpre um objetivo nítido, na minha opinião, acho que ela não quis fazer um filme para agradar todo mundo, para mim, o objetivo dela era prender o espectador e causar sentimentos no próprio e isso ela faz muito bem, só olhar a repercussão do filme.
Os primeiros 30 minutos do filme são espetaculares na minha opinião, a história de Alexia (Agathe Rouselle) é envolvente e o filme indo de uma história sobre uma dançarina ninfomaníaca para um filme de serial killer muito rápido foi algo sensacional, a inspiração claramente veio de filmes de terror do nosso querido David Cronenberg, que tem essa pegada mais do bizarro, de tensão e de apresentar de um jeito normalizado dentro do filme coisas que serão bizarras para o espectador, se o filme continuasse nessa vibe cachorro louco até o final eu teria dado uma nota 10 com toda certeza, mas aí o filme vira uma espécie de "Garota Exemplar" e sinceramente o filme me perdeu por um bom tempo, eu não gostei desse ponto de virada extremamente anti-climático, acho que a relação de pai e filho é muito mal explorada, apesar de ser construído um laço legal, demora muito para engrenar, para mim o filme só volta a ficar muito bom nos últimos cinco minutos que ali tem um clima de tensão convincente e o filme termina no maior estilo Cronenberg existente (Ducournau conseguiu ser uma sucessora melhor para o Cronenberg que o próprio filho do Cronenberg).
Mas acho legal o arco do pai (Vincent Lindon) em si e a atuação do Vincent Lindon é muito boa também, dele ser meio perturbado por ter perdido o filho e por não aceitar isso, literalmente aceitando qualquer substituto fajuto para ter uma falsa vida e o Lindon passa essas sensações de uma forma incrível, que dá para sentir no rosto dele o quanto ele ama o filho. O filme falha em várias coisas narrativamente, principalmente em tentar criar um antagonismo por parte do personagem do Rayane (Laïs Salameh), poderia ter tido muito mais disso e criado uma sensação de tensão verdadeira, de tipo: "ele sabe o segredo e agora pode dar ruim a qualquer segundo", mas não, é extremamente fútil, tanto que eu quase esqueci que tem isso na trama.
Gostei bastante da atuação da Agathe Rouselle, ela segura bem as pontas, ela fica sem falar por uma boa parcela do filme e a gente do mesmo jeito consegue ver e sentir as dores, os medos e as emoções que ela transmite só através de expressões faciais e comportamento corporal, é muito bom como ela consegue realmente convencer que é outro personagem a ponto de enganar até ao que vos fala por alguns segundos. E sobre a polêmica cena envolvendo aí relações sexuais com carros, minha interpretação é que ela vê em carros uma sensação de perigo e adrenalina que ela quer sentir mas não vai conseguir nunca sentir com humanos porque na visão dela, a humanidade já está totalmente perdida, tanto que o principal hobby dela mostrado no filme é ver jornais que estão só mostrando desgraças para ela ter cada vez mais certeza disso. Mas acho que essa relação dela com automóveis poderia ser melhor explorada, só tem a polêmica cena e é completamente rasa essa relação que poderia dar uma excelente subtrama.
Outras coisas que gostaria de destacar nesse filme são uns aspectos técnicos, mais especificamente a fotografia e a maquiagem que são muito boas, a maquiagem principalmente, muito bom o trabalho que fazem no corpo da Agathe Rouselle para deixá-la totalmente destruída e na fotografia tem vários shots que dizem muitas coisas por si só, além de dar um visual bonitão para o filme várias vezes. "Titane" é, merecidamente, o filme mais divisivo de 2021, mas eu confesso que não consigo estar em nenhum dos dois extremos, eu achei um filme bom, mas apenas bom, no máximo um filme muito bom, que tem seus problemas mas tem momentos maravilhosos. É um filme difícil de assistir, mas acho que vale a pena todos verem, o debate que pode se gerar encima desse filme é extremamente interessante.
Nota - 7,0/10