Crítica - Não! Não Olhe! (Nope, 2022)

Muito bom, mas menos bom do que deveria ser.

🚨 Texto com spoilers leves 🚨

Jordan Peele já era um comediante famoso que fazia sucesso com suas esquetes ao lado de seu amigo Keegan Michael-Key, até que em 2017 decidiu virar diretor de cinema com o espetacular terror "Corra!" (2017) - que lhe rendeu um Oscar por Melhor Roteiro Original e depois deu sequência com "Nós" (2019), esse eu não curto tanto, mas também é bastante adorado. Quando um diretor iniciante faz essa sequência de filmes elogiados, se cria todo um hype em volta deles, há vários exemplos tanto positivos quanto negativos, pois alguns continuam fazendo os filmes do seu jeito e obtendo resultados de qualidade, público e crítica altíssimos (Quentin Tarantino) e outros se deixam levar pelo dinheiro e geram obras questionáveis que dividem o público e a crítica (M. Night Shyamalan) e Jordan Peele, infelizmente, deixa dúbio o caminho que irá seguir, eu espero muito que não seja o segundo, mas é o que esse filme demonstra que está acontecendo. É um filme ruim? Não, muito pelo contrário, é ótimo, porém é inferior demais ao potencial que ele tem (acho que esse parágrafo introdutório deu uma ideia errada sobre minha opinião geral, mas mais para o final vocês perceberão que adorei).

Citei M. Night Shyamalan no parágrafo anterior e esse filme tem uma base muito forte em um de seus filmes, "Sinais" (2002), além de também se basear um pouco em Steven Spielberg com "Tubarão" (1975) e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau" (1977), uma base em "Poltergeist" (1982) e o recente "Bird Box" (2018), Peele tem bases muito fortes desse gênero de ficção científica e terror envolvendo extraterrestres e ele sabe usá-las e Jordan consegue fugir de seus outros longas-metragens em uma estética nova. Quando eu terminei de ver, a impressão que eu tive é um filme que não parece dele, parece de um diretor competente qualquer, mas depois de pensar, percebo que eu que não havia entendido certo o que ele queria fazer: um grande blockbuster de ficção científica., Apesar disso, penso que acabou sendo mal cortado, pois o corte original tem 3h45m e é verdade pelos trailers (já que lá aparece um personagem que sequer é mostrado aqui) e me parece incompleto, eu acho que ele tem várias coisas que não pareciam daquele jeito, diálogos cortados, ligações desconexas entre uma história e outra, além do mais, há uma comprovação disso quando nos créditos inicias aparecem nomes de atores que não chegam a ter mais de um minuto de tempo de tela. Talvez com essa versão de quase quatro horas o filme melhorasse e chegasse a um nível mais alto, porque é um bom filme, mas não parece ser o filme que ele deveria ser e se já é bom com essa impressão, imagina ele completinho bonitinho? Seria maravilhoso.

Mas sinceramente, o que mais me incomodou no filme foi o miolo dele, porque tem um início muito bom, um final absurdamente maravilhoso e cheio de adrenalina, mas tem uns quarenta minutos que são chatos, verdadeiramente chatos, eu dormi vendo aquilo, principalmente com esse arco todo do personagem do Steven Yeun, que é arrastado, tem mais tempo de tela do que deveria, apesar da crítica clara ao sensacionalismo. Um dos capítulos do longa é denominado "Gordy", que vemos um flashback desse personagem, que era um ator quando criança e tudo mais, só que  não tem NENHUMA, repito, NENHUMA relação com o resto, é só um macaco sendo um serial killer do nada, não ajuda no desenvolvimento desse cara, não ajuda a entender o que são aquelas criaturas nas nuvens, é um bagulho que me deixou totalmente confuso e só serviu pra encher linguiça, basicamente o diretor colocou porque ele quis e dane-se (o que eu respeito, gostou da ideia e bancou ela apesar de não fazer sentido).

Já fiz muitas críticas ao filme, parece até que odiei, bora falar logo do que eu gostei. Para mim, o ponto alto (além da originalidade) são as atuações, o elenco escolhido é muito certeiro, cada personagem central (com exceção do Steven Yeun) é muito bem trabalhado dentro dos arquétipos que lhe são postos. Daniel Kaluuya mais uma vez prova ser um baita ator na performance do O.J., um homem que é simples, frio e objetivo, um garoto do campo que só quer cuidar dos seus cavalos e ficar na paz. O Kaluuya acerta na dosagem de frieza, mesmo com a sua fazenda sendo rondada por alienígenas, ele queria ficar lá para cuidar de seus bichos, e ele manda muito bem nessa timidez, tendo vários momentos de destaque onde a sua bondade/simplicidade é vista em várias partes que ajudam o espectador a se apegar a ele. Essa dureza faz um bom contraste com o carisma e extroversão da Em (Keke Palmer), a fraternidade deles é muito bem mostrada e os dois fazem bem esse papel de irmãos que mesmo com desavenças, cuidam e se importam um com o outro. Ela manda muito bem, de longe a personagem mais legal do, é muito animada, muito divertida, excêntrica, quase que um alívio cômico, essa presença dela é meio que um respiro em toda a tensão que apresenta majoritariamente, além de quando precisa no drama, ela acerta muito no tom, nos momentos de maior terror, ela manda absurdamente bem. Eu também curti o Brandon Perea, que interpreta o Angel, no início eu achei que ele seria aquele típico moleque que não tá entendendo nada e fica fazendo perguntas, mas pelo carisma dele vemos uma evolução do personagem até nos importarmos com ele, ele é muito legal, cativante demais e espero que ele pegue mais papéis, porque mandou muito bem aqui. O Michael Wincott caiu como uma luva no papel de Antlers, o ator faz bem esse papel de um cara dúbio, de voz grossa, misterioso e muito focado no objetivo, na moral, a voz desse cara dá arrepios, uma voz forte que impõe respeito, ele começa a falar e geral cala a boca.

Nas referências citadas no segundo parágrafo, falei sobre "Tubarão", mas o que um terror sobre um peixe grande carnívoro que assusta as praias tem a ver com um sci-fi sobre ufologia? Bom, em outro texto que eu já escrevi (sobre o "Batman" de Matt Reeves) eu citei o mesmo filme e o porquê dele ser inspiração para aquele e serve para esse aqui também, pois em momento nenhum vemos os alienígenas, mas sentimentos a presença deles ali, é tensão construída e trabalhada de maneira tão sublime, tão minuciosa, que ficamos apreensivos assistindo aquilo, esse medo criado em torno dos vilões é um medo falso porque eles não aparecem, mas ainda sim nos os tememos. Nessa parte, o Jordan Peele mandou absurdamente e excepcionalmente bem. Isso é muito ajudado por uma trilha sonora absurda do Michael Abels, parceiro do Peele nos dois filmes anteriores e devo dizer que essa é a melhor OST dos três filmes, ela tá na vibe correta, ela é um pouco alta, ela é aumentativa e vai contribuindo para a imersão, especialmente no último ato após toda aquela gordura do meio, é uma trilha que impulsiona o longa e empolga o espectador, que trabalho fantástico!

A parte técnica do filme em si é um espetáculo. A fotografia é incrível, é o Hoyte van Hoytema, um dos melhores da profissão na atualidade e que está num caminho correto para se tornar um dos melhores de todos os tempos, o trabalho dele aqui é sublime, em especial nas cenas a céu aberto que ele usa o espaço com muita inteligência, naquela cena toda no plano final dos personagens, é onde se destaca, principalmente numa cena de perseguição que ele usa a câmera em movimento a favor da narrativa e é arrepiante, além de um uso impecável de cores, principalmente em cenas noturnas que ele brinca muito com o fato de que os aliens estão ali. Sonoplastia do filme impecável, a mescla da trilha sonora com os sons de disco voador e com as falas dos personagens é perfeitamente equilibrada, dá uma maior imersão ao filme e por fim, os efeitos visuais são absurdos, são poucos mas usados da maneira certa na dosagem certa, você vê aquelas nuvens se mexendo e dá medo, você vê o OVNI e dá medo. Uma surra na virgem fracassada da Marvel.

Complicado a minha opinião sobre "Não! Não Olhe!" (e sem zoeira: que tradução péssima), eu gostei do filme mas eu saí decepcionado, só que depois de pensar bastante, eu adorei. Pela qualidade da obra, eu acho que o sentimento positivo se impôs mais. É inegável que minhas expectativas possam ter atrapalhado um pouco, mas não dá para ter baixa expectativa quando o cara no primeiro filme dele fez o que seja talvez um dos melhores filmes de terror da história. No geral, o filme tem uma gordura ali, tem um arco com um macaco aleatório que não faz sentido algum, mas como um filme de terror de alienígena, se saiu bem. Só tenho medo que o Jordan Peele se corrompa pelo IMAX no futuro.

Nota - 8,0/10

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