Crítica - Era uma Vez um Gênio (Three Thousand Years of Longing, 2022)

Um surpreendente romance reflexivo.

George Miller não é um diretor com muitos filmes, sua carreira é meio peculiar, sendo ele o criador da franquia Mad Max e o diretor dos quatro filmes já lançados e também será o dos dois que ainda estão por vir, fez "Convenção das Bruxas" (1987) e "O Óleo de Lorenzo" (1992), só que também acabou sendo o responsável por "Babe: O Porquinho na Cidade" (1999) e "Happy Feet" (2006). Em 2015, quando perguntado o porquê dele ter retornado a Mad Max com "Mad Max: Estrada da Fúria" depois de fazer filmes infantis, George Miller respondeu: "meus filhos cresceram". Agora temos a comprovação do crescimento dos filhos de Miller com o que é, de longe, o seu filme mais maduro. Por ser dele, você pensa logo que o filme será uma loucura desenfreada, ainda mais com o conceito clássico de Gênio da Lâmpada e os três desejos, porém ele aproveita essa oportunidade para fazer um filme mais sério, calmo, centrado e reflexivo. É um conto de fadas maduro, mas que abraça o estranho e o absurdo para responder questões sobre humanidade, solidão e principalmente: amor.

Muitos diretores já demonstraram suas interpretações sobre o amor no cinema, Wong Kar-wai fez um retrato exímio do sentimento em "Amor à Flor da Pele" (2000), Richard Linklater contou como ele surge, se desenvolve, some, reaparece e se dilui com sua "Trilogia do Antes" (1995-2013), agora George Miller faz um retrato mais sublime e desapercebido sobre. Aqui acompanhamos a história de Alithea (Tilda Swinton), uma mulher cujo foi traumatizada pelo amor e preferiu por se tornar cética e fechada enquanto a isso, só que ela acha um Gênio da Lâmpada (Idris Elba) que também foi traumatizado pelo amor pelos últimos três mil anos. Quando você vê por quase uma hora e meia de filme essas trocas de sentimentos por parte dos dois personagens centrais, você começa a refletir o quanto o amor tem seus bens quanto seus males, todas as histórias contadas acabam de alguma forma entrelaçadas pelo amor, pois o amor é o que move tudo, é o que move a humanidade, pode parecer piegas falar isso mas é verdade, reflita sobre os filmes que você gosta e perceba que de alguma forma eles falam sobre amor, desde "Matrix", "De Volta Para o Futuro" até mesmo "Avatar", "Star Wars" e "Vingadores: Ultimato", o amor é um ponto chave em todos eles em algum momento, seja ele importantíssimo ou até em momentos tão rápidos que são difíceis de perceber, seja ele um amor sexual, fraterno, paterno, materno ou apenas uma forte amizade.

Alithea foi traumatizada em seu relacionamento por uma traição do que ela pensava que seria "o grande amor da sua vida", ela preferiu se fechar em livros e ignorar totalmente a profundidade e necessidade dos seus sentimentos, enquanto o Gênio se apaixonou por algumas de suas mestres e acabou se apegando tanto a elas que quase não as deixou completar seus desejos para que ele fosse livre. O amor está enraizado na história da humanidade, pois nós humanos somos comandados por um órgão chamado cérebro, o cérebro é a única coisa que funcionará na sua vida vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, até o dia que você se apaixonar e perder a mente por isso, como conta o Gênio desde o início: os desejos de sua segunda mestre foram decisivos para ela conseguir ficar com a sua paixão, mas também foi o que a levou a óbito. Sua terceira mestre servia apenas como objeto sexual de um velhinho rico e almeja mais que isso, vendo um amor na figura do Gênio, mas quando ele percebe a loucura que se tornou a relação entre os dois, ela enlouquece e acaba o libertando. O mesmo ocorre com Alithea ao se apaixonar pelo Gênio após suas histórias, ela percebe que talvez o Gênio venha para suprir suas necessidades sentimentais e sexuais que ela tinha necessidade mas preferia negar por seus traumas.

Eu gosto de como o Miller retrata o seu Gênio, nossa imagem de Gênio da Lâmpada na cultura pop é um bicho azul gigante superpoderoso que é maluco, excêntrico, cômico e que faz referências a tudo e todos, por isso acho que havia uma espécie de hype para ver a loucura que Miller iria explorar com esse conceito em suas mãos, porém a riqueza que essa lenda folclórica traz é tamanha que o George Miller explora um lado mais emocional e poético, fazendo de seu personagem um ser místico que é apaixonado pela humanidade e sua beleza, por suas paisagens, por seus animais, lugares, construções e crenças, é muito lindo ver essa relação que é construída e como o Idris Elba retrata isso em sua voz é belíssimo. Também é belíssimo o visual do filme, com praticamente um quarto do que um grande filme de Hollywood tem de orçamento hoje em dia e os efeitos especiais acabam por deixarem a desejar ("Jurassic World: Domínio", "Thor: Amor e Trovão" e "Viúva Negra", por exemplo), aqui temos várias cenas que se utilizam de construções em computador para criar conceitos gráficos incríveis, tem uma cena de uma das mestres do gênio descobrindo a Fórmula de Bhaskara (desgraçada) que é belíssimo com as técnicas de câmera e computação gráfica, além dos efeitos constantes como a poeira e névoa do personagem do gênio que também são espetaculares.

É difícil falar desse filme sem exaltar o trabalho dos atores. A Tilda Swinton entrega uma personagem que é meio dúbia, você não sabe qual é a dela, você só vê que ela é bastante tímida, fechada e focada em sua profissão, ela demonstra perfeitamente essa timidez da Alithea, esse fechamento que ela tem em relação ao mundo e o quanto ela se liberta sentimentalmente após ouvir as histórias do Gênio, mostra o tanto que ela se incomoda com as outras pessoas falando e depois a libertação dela tanto sexual quanto poética é muito bem trabalhada pelo Miller. O Idris Elba também está sensacional, eu gosto de como ele demonstra o fascínio do gênio pela humanidade e o quanto ele é um bom contador de histórias, por boa parte do filme vemos ele apenas narrando e a voz dele de fundo é espetacular, impõe um respeito que você fica atento ouvindo as histórias dele, ele tem uma potência vocal muito interessante que ajuda demais no papel, além dele ser incrível ao mostrar os sentimentos do personagem, principalmente o fascínio e a reflexão que ele tem sobre a raça humana e o planeta, com certeza é o melhor gênio do cinema desde o Robin Williams.

Contudo, não é um filme perfeito, na minha visão há alguns problemas. Em duas cenas no início mostram meio que uma raça de "gênios do mal" que pareciam que seriam antagonistas frequentes ao longo do filme, mas isso só é mostrado no início e depois é ignorado totalmente, até tem um resgate em uma cena no meio mas é até irrelevante pela construção que teve, realmente eu não entendi porque o George Miller meteu aquilo, foi só para um personagem lá virar e dizer que gênios existem e foi isso. Também acho que o final deixa a desejar ao ser muito rápido como tudo acontece, não quero dar spoilers, mas os acontecimentos finais ocorrem de uma maneira muito apresaada que não eram pensáveis em nenhuma cena antecedente e causa uma certa confusão, pelo menos para mim, mas não é nada que altere muito a qualidade do filme.

Surpreendente, "Era uma Vez um Gênio" parece mais uma aventura psicodélica e louca que sairia da mente do George Miller, mas que acaba sendo um filme poético e reflexivo cujo traz questões e discussões bastante maduras e diferentes que com certeza eu não esperava ver em uma obra desse diretor. É um filme que você não está preparado para o que ele vai entregar, é algo muito mais calmo e focado em sua poesia e sentimentalismo do que em seu lado fantástico e psicodélico. É um filme que, apesar de seus problemas, eu gosto mais a cada vez que eu penso nele, foi uma grande experiência assistí-lo.

Nota - 8,5/10

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