Crítica - Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, 2022)
Vida longa ao rei!
🚨 Texto sem spoilers 🚨
Em 2018, "Pantera Negra" foi um sucesso estrondoso, ninguém esperava tamanha recepção ao ponto de ser o primeiro filme de super-heróis indicado ao Oscar de Melhor Filme, além de ter outras seis indicações e vencendo como Melhor Figurino, Melhor Design de Produção e Melhor Trilha Sonora (três prêmios justíssimos por sinal). Com isso, era questão de tempo até haver uma sequência, porém o que ninguém esperava era o falecimento precoce de Chadwick Boseman, o nosso T'Challa, o nosso eterno Pantera Negra e com isso, vários processos para a alteração da obra foram iniciados, tendo o seu roteiro reescrito, mas a produção foi bastante conturbada por outros fatos, como o fato de ter estourado uma pandemia e o de Letitia Wright, a atriz da Shuri, contrariar totalmente o que pensa e trabalha sua personagem e adotar um posicionamento contra a vacina da Covid-19, atrasando toda a produção por se recusar a tomar a mesma. Para se ter noção, a pós-produção foi encerrada há pouco tempo atrás, o que para um blockbuster desse porte é algo impensável (pelo menos não chegou ao ponto de ser entregue no dia da estreia) e devo dizer que para algo que foi finalizado recentemente e feito com uma produção muito acelerada, o filme foi excelente, mas ainda sofre com problemas. Eu já retiro o suspense no primeiro parágrafo: o primeiro é melhor para mim, mas quem não gosta tanto do original vai curtir mais esse.
Primeiramente preciso parabenizar o grandíssimo diretor Ryan Coogler, que conseguiu driblar todos os problemas e imprevistos que aconteceram na produção, porque parece que era um filme amaldiçoado que seria adiado inúmeras vezes, mas ele conseguiu entregar dentro do prazo e ainda dar um produto de qualidade, pois sem dúvidas é a melhor coisa que a Marvel lançou nos cinemas em 2022 e a mais agradável dentre os três que lançaram, também deve ser a com a menor divisão, já que "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" e "Thor: Amor e Trovão" foram extremamente divisivos, é que esse tem algo que está faltando nesses dois: paixão, não a paixão como um sentimento dentro da obra (até porque em um deles um dos focos é o fracasso do relacionamento do protagonista e o outro literalmente tem "amor" no título), é a paixão por fazer um filme sobre o personagem, você percebe o quanto Ryan Coogler é apaixonado por essa mitologia que ele criou dentro do MCU, por esse elenco, por essa cultura, por esses personagens e a maneira a qual ele transpassa esse sentimento através do longa é perceptível desde o primeiro segundo e continua assim até o último momento. Eu nunca senti tanto amor de um diretor por seus personagens em um filme de herói.
Outro mérito é que este é o filme cujo eu percebi menos influência da Marvel, da Disney ou do Kevin Feige, diferente dos outros dois da empresa este ano, esse aqui não há nenhuma limitação por conta de duração reduzida nem nenhum outro problema envolvendo dar liberdade demais para o diretor fazer a obra e acabar extrapolando demais seu estilo (como é o caso do Taika Waititi em Thor 4), acho que até por ser uma homenagem ao saudoso Chadwick Boseman eles não se intrometeram tanto para não desrespeitar o falecido. Nada me parece deslocado aqui, até o fato de ter a Riri Williams (Dominique Thorne) que parecia meio aleatório, já era algo que estava, claramente, há bastante tempo no projeto (sem contar que quem produzirá a série da personagem será o próprio diretor) e este acaba por ser o segundo filme mais longo da Marvel, o que demonstra que o estúdio está ouvindo as críticas e tentando melhorar sua reputação (que está bem em baixa atualmente).
Mas, o fato de ser o segundo mais longo da Marvel acaba por ser seu problema, pois é um filme de duas horas e quarenta e um minutos (2h41m) no qual você sente a duração, pelo menos durante a primeira metade dele. Os primeiros vinte minutos são ok em ritmo, só que daí para a frente a diminuição no ritmo é notável e a recuperação dele só vem em meados de uma hora e meia de exibição, então praticamente 40% do longa é com um ritmo arrastado que me causou um certo tédio. Só que, quando o ritmo aumenta, ele vai nas alturas, porque é em um certo ato do vilão Namor (Tenoch Huerta Mejía) e as consequências que acabam por fazer disso um excelente entretenimento, já que nesse desenrolo acabamos ganhando mais emoção, mais adrenalina, mais ação e de quebras ainda tem um cameo bastante inesperado, acaba virando de fato o que se espera de um bom blockbuster e principalmente, de um bom filme de super-herói, com a principal base sendo em "Avatar" (2009) - tem até bicho azul de CGI.
Só que o vilão, o Namor, é broxa. Ele tem boas motivações, o ator se sai bem no papel, mas ele não passa nenhuma sensação de ameaça. Ele não é ruim, só é um antagonista pau mole cujo é mais engraçado que amedrontador. Esse é o problema, contrataram um intérprete tão carismático que você não consegue sentir que ele está louco, pois o Tenoch Huerta Mejía tem cenas onde ele está muito bem, tem momentos onde ele é muito cativante, nessa parte arrastada o que acaba carregando é sua participação e sua história envolvendo Talocan (um destaque técnico visual a ser feito inclusive, ficou muito lindo). Mas o fato de adaptarem atlantes como latinos me incomodou um pouco, pois o filme continua sendo americano e há muito pouco tempo os Estados Unidos eram governados por um xenófobo que odiava mexicano e a forma que é retratada a cultura maia e como os europeus vieram e escravizaram os povos originários parece que só foi colocado para amenizar isso, pois é bem avulso (inclusive o verdadeiro título do Namor é K'uk'ulkan, o Deus Serpente Emplumado, só que esse nome aí em um longa cujo é protagonizado inteiramente por pessoas negras é, no mínimo, curioso).
Enquanto aos protagonistas, são todos muito bons. Começando com a pessoa que quase fez com que o filme não saísse: Letitia Wright e ao vermos, percebemos o porquê da Marvel não ter a demitido, pois que trabalho espetacular! Poucas vezes no gênero de herói eu vi uma atuação com tanta emoção envolvida em toda a cena, desde o prólogo até a cena pós-créditos, ela passa emoção de um jeito que nenhum diretor tinha tirado dela ainda, além de ser imponente quando necessário, ela consegue ter o protagonismo para si, tomando conta e dizendo "esse filme é meu, p*rra!", ela faz perfeitamente esse papel da menina que tá derrotada e abalada porque perdeu tudo, o amadurecimento é notável, como diz o M'Baku (Winston Duke) em uma das cenas: "o mundo já lhe tirou tanta coisa que é impossível te considerar uma criança", que performance gigantesca, a melhor da Marvel no ano. Também é preciso destacar Ramonda (Angela Bassett), que tem bem mais destaque que no original e aqui ela manda muito bem, a atriz consegue passar perfeitamente a dor da personagem, a dor de quem já perdeu tudo, que já perdeu o marido, o filho e ainda vai continuar perdendo mais com essa guerra com Talocan, tem três cenas que ela se destaca e passa uma emoção que poucas vezes é vista em algo do MCU, em especial uma dessas cenas que é no início, onde ela conta para Shuri sobre um ritual da cultura deles onde ela conseguiu sentir a presença espiritual de T'Challa, aí é onde ela se destaca de vez e a experiência dela na atuação é decisiva para ganhar apego do público, muito bom.
Winston Duke como M'Baku tem uma aparição mais reduzida que o esperado, mas quando aparece ele não decepciona, tem o deboche característico do personagem, mas ainda demonstra sua honra, lealdade e importância para Wakanda, suas tradições e o que ela representa, além da imponência que ele tem que chega a assustar, tanto que o destino lhe dado no final é extremamente merecido e será legal de acompanhar em um eventual encerramento de trilogia. Okoye (Danai Gurira) tem um papel importantíssimo na trama e tem cenas onde ela consegue ser espetacular na performance e demonstra sentimentos que não sabíamos que a personagem tinha e é bonito ver como é construída sua integridade ao país e ao povo e como isso é tudo para ela. Enquanto a Riri Williams, foi uma boa coadjuvante, ela tem essa função meio macguffin na trama, mas não atrapalha muito seu desenvolvimento e a atriz é incrivelmente carismática e para uma apresentação de personagem ela foi muito bem, agora é ver como isso vai se desenrolar em sua série, onde vamos ver mais dela apesar de tudo.
Tecnicamente é um espetáculo, figurino, maquiagem, direção de arte, é tudo bem feito até demais e nos põe com maestria novamente naquele país, naquela cultura, na religião, mas traduções e outros, apesar de tudo, é muito legal retornar à Wakanda nos cinemas. A trilha sonora do Ludwig Göransson é maravilhosa e está no tom certo, principalmente quando aparece o Namor e Talocan, onde o tema desses personagens é um absurdo. Ainda nas músicas, há várias tocadas e a principal é "Lift Me Up", performada pela Rihanna e é uma música muito emocionante que toca nos créditos e que vai estar no Oscar com certeza. Mas uma coisa que eu curti mesmo foi o fato do longa não se calcar na morte do Chadwick Boseman, fazem a ele as devidas homenagens no início, no final e nos créditos, durante a exibição em si isso não é tão relevante assim e eu gostei porque prova que o Ryan Coogler queria fazer o filme ser bom por sua qualidade e não por homenagear o ator, mesmo assim as homenagens são gigantescas, dignas do grande ator e grande homem que ele foi, além de vários momentos onde mostra através de diálogos várias citações e demonstrações visuais que você sente a presença dele ali. Muito emocionante!
Além disso, esse filme é a Marvel gritando: "não é porque nós estamos sem nossos personagens principais, não é porque nós estamos com uma qualidade menor, que estamos acabados" (literalmente um dos personagens fala isso em um certo momento) e "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre", apesar dos problemas, é a ressurreição da Marvel nos cinemas, com a emoção e paixão que todos os filmes dessa Fase 4 deveriam ter tido e a grande maioria não teve. É emocionante do início ao fim, uma grande homenagem ao Chadwick Boseman, mas que não se força nisso para criar uma ilusão de que é bom, ele é bom por ser bom. Tem complicações envolvendo o ritmo, o vilão é broxa, mas é lindo, é bem feito demais, é eletrizante do meio para o final e o principal: você sente amor pela história, a paixão do diretor e do elenco por essa cultura, essa mitologia e esses personagens. Esse filme é a Marvel que eu cresci vendo em toda sua essência.
Nota - 7,5/10