Crítica - Entre Mulheres (Women Talking, 2022)

Falta coragem.

Baseado no livro homônimo escrito por Miriam Toews, que é baseado em fatos ocorridos há relativamente pouco tempo na Bolívia, Sarah Polley nos traz uma história repleta de dramas, diálogos, emoção e, principalmente, sororidade, mas, pena que é um filme que, por decisões criativas da própria diretora, acaba caindo no rótulo de "Oscar bait", infelizmente, já que visivelmente é bem intencionado. Primeiro, vamos contextualizar: a história real fala sobre uma comunidade menonita num local isolado da Bolívia (aqui, obviamente, realocado para os Estados Unidos) em que as mulheres eram feitas de prisioneiras por homens que as drogavam com remédios para gado e se aproveitavam delas sexualmente sem consenso, sejam elas adultas, idosas, ou até mesmos pré-adolescentes e adolescentes. É pesado em sua essência e dá até um embrulho no estômago quando isso é dito no longa, porque demonstra o quão brutal e desumana é a natureza humana e no que uma boa criação faz diferença para um menino. Voltando à trama, os crimes são descobertos e todos os culpados são presos, mas se libertam com fiança (o que já é inacreditável, já que fazer o que esses caras fazem deveria ser inafiançável) e as mulheres da comunidade tem dois dias para tomar a decisão: perdoar, ficar e lutar, ou dar no pé. Com isso, um conselho é formado por onze mulheres, onde elas compartilham experiências e discutem o que vai ser melhor para todos.

Por essa descrição, já vemos que a intenção é ser uma pancada no estômago e algo que emocione e seja um abridor de olhos para muita gente (o que infelizmente não será possível, porque o público que querem cutucar a ferida provavelmente não vai ver o filme e os que virem vão chamar de "mimimi" e "lacração"), cara, verdadeiramente, pelos diálogos, é um jab de esquerda no peito que machuca e sensibiliza uma pessoa que tenha o mínimo de cérebro. Mas o cinema não é sobre enfiar o dedo em uma ferida profunda, e sim sobre histórias, só que nesse caso, a diretora Sarah Polley acaba criando uma história que soa bem artificial, tentando se utilizar de montagens melodramáticas de maneira errônea para tentar criar emoção e com um controle da parte técnica quase nula, já que deixa tudo muito escuro, o que como mensagem funciona, mas prejudica todo o resto técnico (que é inacreditável de ruim, nossa senhora). Infelizmente, decisões criativas acabaram prejudicando algo que poderia ser bem melhor.

No momento que estou escrevendo o texto, é um dos favoritos para a categoria de Melhor Roteiro Adaptado no Oscar 2023 e eu não vou avaliar como adaptação porque não li o livro (só sei que removeram uma coisa que era bem importante para um dos personagens principais), mas avaliarei a história e a maneira na qual foi tratada. Primeiro que é um filme bastante teatral sem ser forçado, a situação ajuda nesse quesito, é do estilo que eu gosto: muitos diálogos longos, monólogos destacados e a troca entre as personagens sendo sincera, o problema é que é raso de sentimento, como disse, a intenção por trás é boa, mas o resultado acaba deixando tudo com uma impressão de ser exageradamente melodramático, o que prejudica em números estratosféricos, um filme com essa mensagem que deveria ser tão incomodativa, poderosa e inspiradora acaba sendo desperdiçada e ficando com uma impressão de parecer Oscar bait, já que parece que pensaram que o "#MeToo" tava em alta e sendo debatido no Oscar recentemente, com filmes do tipo "Bela Vingança" (2020) ganhando reconhecimento na premiação e decidiram fazer, o que creio eu que não aconteceu, porque em toda campanha de marketing e de consideração desse filme eu sinto verdade nas atrizes e na diretora e que foi feito de jeito bem intencionado. Só que acaba sendo prejudicado não só por isso, mas também por questões que são apresentadas e acabam jogadas no ar sendo resolvidas com nada e por um problema chamado: covardia.

Falta coragem na obra, eu sinto que poderia ser muito mais poderoso e impactante se algumas coisas fossem minimamente mudadas, como a edição em alguns monólogos, já que volta em alguns flashbacks desnecessários que tiram todo o peso das situações descritas por conta daquilo, já que em casos como esse, ouvir uma descrição é mais pesado e impactante do que ver em uma montagem mal feita. Um exemplo disso é como é utilizado em "Argentina, 1985" (2022), por exemplo, em que vítimas da ditadura argentina descrevem os horrores causados contra elas com apenas a câmera focando em seus rostos tristes e desesperançosos e é isso que realmente comove e assusta o espectador. Outro exemplo também novo é em "O Último Duelo" (2021), do Ridley Scott, que ao final do primeiro capítulo vemos a protagonista descrever para seu marido a maneira na qual ela foi estuprada e depois nos dois capítulos posteriores vemos a cena literalmente, e é assustador nas três vezes que acontece, porque a mão do diretor foi tão firme em criar a descrição para depois mostrar acontecendo que fica repulsivo nas três vezes. Então são detalhes que separaram o filme de ótimo para apenas mediano. Além do final que é bem chapa branca e perde impacto, poderia ser muito mais impactante na mesma decisão, mas acaba que no jeito que é feito acaba sendo superficial e deixa uma sensação nula ao seu término, sem contar a inconsequência em algumas questões, eu não quero dar spoilers, mas um dos personagens queria cometer suicídio e isso é jogado, não tem nenhum desenvolvimento e nem um desfecho.

O que dá uma ajudada é o elenco, que realmente eleva a qualidade e faz eu não desgostar. O principal destaque para mim foi a Claire Foy, a que mais marcou pela atuação, porque ela é a revoltada, a vingativa, ela é a que quer matar os homens na porrada e ela tem as cenas mais memoráveis, como no final, que é um show de atuação dela chorando desesperada, com raiva, medo, tudo sendo demonstrado de uma única vez com maestria. Outro com atuação marcante é o Ben Whishaw, que faz o August, o único homem da colônia que presta e que ajuda as mulheres já que ele é o único que sabe ler e escrever. Ele tem um arco bacana que envolve sua paixão por Ona (Rooney Mara) e como ele quer sempre o bem dela, tendo algumas cenas marcantes na qual ele manda muito bem na performance, tem uma no início/meio que é ele falando com uma das adolescentes que é uma das melhores cenas. A Jessie Buckley fica aquém do esperado, mas que é precisa nos seus diálogos, entrega emoção e dá uma sensação de imponência à sua personagem. A Rooney Mara também é excelente e dá um ar muito único a Ona, seu trauma por ter sido uma das vítimas recentemente e sua relação com August são muito bem demonstradas pela atriz, tendo uma química e relação memorável com o personagem do Whishaw e algumas cenas em que ela consegue elevar a qualidade dos diálogos.

A parte técnica é o que prejudica, fotografia muito cinza, que pela intenção da mensagem, eu entendo ser assim, só que prejudica todo o resto, deixando a direção de arte daquela fazenda muito falsa e parecendo até chroma key e CGI em alguns momentos, aumenta essa sensação artificial que já é dada naturalmente pelos diálogos. A montagem também é ridícula, hão vários cortes desnecessários e os já citados flashbacks emocionantes que não emocionam, dando um ritmo meio truncado no geral. Mas o figurino e especialmente a trilha sonora são excelentes, a trilha mesmo é maravilhosa e emocionante, dita melhor o tom do filme que a própria diretora, deixando uma sensação até meio épica em alguns momentos. A compositora é a Hildur Gunadottir, que vem crescendo cada vez mais e se consolidando como uma das grandes da geração, já chegando ao ponto de elevar qualidades de filmes no geral com suas músicas, fazendo com que algo mediano torne-se minimamente bom.

Eu entendo e vejo boas intenções em "Entre Mulheres" (achei uma tradução meio meh também, o título original é muito mais impactante e tem muito mais o sentido que o filme quer passar), mas no geral o filme acaba sendo algo que parece ter sido feito para o Oscar ao mesmo tempo que aparenta não ter sido. Elevado por um elenco maravilhoso e uma trilha sonora incrível, acaba que deixa uma sensação muito artificial durante toda exibição, que quando acaba fica com um cheirinho de "poderia ser melhor" e "faltou algo". É uma mensagem mega importante que não foi transpassada da maneira como deveria e fica aquém de outros filmes recentes sobre o assunto de abuso sexual como os citados anteriormente "Bela Vingança" e "O Último Duelo", mas ainda sim é uma pancada e fica de lição que é para educar melhor as crianças sobre tudo, ensinar o básico de respeito às mulheres e não apenas objetificá-las como máquinas de prazeres sexuais que geram bebês, o que deveria ser o mínimo, mas que pelo visto, muita gente não aprendeu, e tratam deusas na terra como lixo, ainda se pagando de mega machões por isso, mas sinceramente é difícil para mim entender como alguém que faz um troço desse gosta de mulher, parece que as odeiam tendo atitudes dessas. Serve de lição até para mim, de como eu não tratar nenhuma mulher que eu conheça, seja da família, amiga ou namorada (se é que um dia terei uma - desculpa, eu precisa quebrar esse clima ruim). Então, ensine seus filhos, para eles não crescerem misóginos e futuramente virarem abusadores, ou pior ainda, cantores sertanejos. No fim, eu não desgosto do longa, mas também não consegui curtir muito por todos os problemas citados que vocês leram.

Nota - 6,0/10

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