Crítica - Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians of the Galaxy Vol. 3, 2023)

Um encerramento incrível da jornada dessa equipe no comando de James Gunn.

🚨 Texto com spoilers leves 🚨

Já opinei sobre "Guardiões da Galáxia" (2014) e "Guardiões da Galáxia Vol. 2" (2017) aqui e vocês sabem o quanto eu adoro essa galera, esse universo que o James Gunn idealizou e apresentou nos últimos nove anos, passando por esses dois filmes solos, os eventos "Vingadores: Guerra Infinita" (2018) e "Vingadores: Ultimato" (2019), uma pequena participação em "Thor: Amor e Trovão" (2022) e um especial chamado "Guardiões da Galáxia: Especial de Festas" (2022). Entretanto, essa seria a última vez que veríamos esses personagens, visto que Gunn foi demitido injustamente pela Marvel lá em 2018 e foi roubado pela DC, só voltando única e exclusivamente para o MCU com o objetivo de finalizar esse arco que ele originou e dar um fim a essa equipe. Como o Kevin Feige respeita incessantemente muito o trabalho de James, dando-o liberdade criativa sempre, ele deixou que sua história fosse encerrada. No caso, é verdadeiramente um fim de trilogia, isolado do resto do Universo Cinematográfico Marvel, tornando-se uma saga que funciona independente de construção de universo. Havia uma desconfiança em torno do longa, visto o histórico recente da Marvel Studios, mas foi um grande acerto, o melhor filme do estúdio desde... Muito tempo, só que aí fica o questionamento: quem acertou, Marvel ou James Gunn?

Na trama, Adam Warlock (Will Poulter), uma construção da raça Soberanos, invade Luganenhum e ataca os Guardiões, deixando o Rocket Raccoon (Bradley Cooper) correndo risco de vida. Com isso, a equipe precisa ir pela galáxia procurando algo que possa deixar Rocky vivo, enquanto Peter Quill (Chris Pratt) tenta reconquistar Gamora (Zoe Saldaña), que não tem memórias de seu passado com os heróis. O time é formado por Quill, Rocket, Drax (Dave Bautista), Groot (Vin Diesel), Nebulosa (Karen Gillian), Mantis (Pom Klementieff), Kraglin (Sean Gunn) e Cosmo (Maria Bakalova). Gunn alterna o longa entre duas linhas narrativas outra vez, agora uma no presente e a outra apresentando o passado do nosso guaxinim favorito. Primeiro é preciso acrescentar que a trilogia consegue funcionar à parte do MCU para quem nunca assistiu, no entanto não é 100% separado, pois o arco da Gamora necessita do conhecimento adquirido em Guerra Infinita e Ultimato, além de algumas coisas que são mencionadas no Especial de Festas, como que os Guardiões compraram Luganenhum do Colecionador (personagem do Benicio Del Toro no primeiro filme) e a aparição do Kevin Bacon (mas essa só é citada na cena pós-créditos), de resto, totalmente tranquilo. Apesar de serem conhecidos pela comédia, Gunn prova que consegue levar algo a sério e entrega um filme que sim, tem seus momentos engraçados, mas seu maior foco é no drama e encerrar o atual arco dessa galera. Na minha opinião, é o longa mais pesado do MCU, é o mais violento, é duro de assistir algumas partes de tão brutais, tem um clima mais carregado no geral (até em suas partes cômicas) e lotado de palavrões, mas que se encerra do jeito animado e feliz que eles mereciam.

O grande destaque, desde o marketing, era o Rocket Raccoon, aparentava que seria finalmente o momento dele brilhar, e realmente é, o guaxinim acaba por ser um dos grandes protagonistas, até porque o vilão é o seu criador: o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji). O antagonista trata-se de um homem que percebeu que a Terra é maravilhosa em várias questões, como a arte, arquitetura e a música, porém falha em questão da população, com muita violência envolvida, coisas horríveis que mancham a imagem da espécie. Com isso ele busca criar uma chamada "sociedade perfeita", fazendo vários experimentos em animais e tentando criar seres antropomórficos e racionais, só que na realidade ele apenas odeia as coisas do jeito que elas são (famigerado diferentão). Um desses experimentos surge com o Rocket, que é dividido em várias partes ao longo da exibição e, cara, eu nunca fiquei tão triste vendo alguma coisa no MCU, nunca me senti tão mal emocionalmente assistindo algo nesse universo, nunca teve uma sensação tão pesada no ar, é difícil de ver aquilo acontecendo. É importante destacar duas coisas que complementam com excelência: a computação gráfica e a voz do Bradley Cooper. Excelente trabalho de efeitos visuais, um dos melhores dos últimos anos, falarei com mais detalhes lá na frente, mas o do Rocket é espetacular, pois consegue captar as emoções de um bichinho que não existe e você crê em tudo, e o Bradley Cooper passa tanta verdade em sua performance, tem uma cena que ele dá um grito tão verdadeiro que dói na alma, além de outros momentos onde ele capta exatamente a essência e o sentimento do personagem neste longa.

O outro arco não fica para trás, já que o James Gunn consegue novamente criar uma dinâmica impressionante de equipe e de família. Adorei como mostra que eles se importam uns com os outros mais do que nunca, como a dinâmica vira uma corrida contra o tempo, o que cria uma sensação ansiosa porque o tempo para resolver o problema vai acabando, e quando termina isso, surge outro em seguida e por aí vai, é uma sequência de acontecimentos que vão criando uma tensão incrível, o que aumenta muito a imersão, já que não tem uma pausa para dar um respiro, mas isso é feito de uma tranquilidade impecável, no entanto não fica corrido (é um pouco no primeiro ato, mas no geral consegue justificar o tempo e a duração). Todos os personagens estão muito bem, o que eu mais me surpreendi foi o do Peter Quill, pois nós todos sabemos que o Chris Pratt é carismático, mas não chega a ser um grande ator, só que a atuação dele é surpreendentemente boa, que consegue passar a emoção do Star-Lord perfeitamente, o sentimento depressivo pela separação com a Gamora, tendo de apelar para a bebida, e depois realizando que ele perdeu muita coisa e pode correr o risco de perder mais. A forma como Gunn manuseia isso traz um resultado impressionante, ele tira o máximo desempenho do ator e encerra sua história de uma maneira digna e emocionante.

A Nebulosa manda muito bem, é um grande arco de redenção ao longo desses filmes. É um grande papel de líder, ela que naturalmente é a personagem mais séria dessa galera, as vezes ela se descontrola e solta coisas horríveis sobre seus companheiros, mas no fundo ela sabe e nota que todos são benéficos um para o outro, destaque para a atriz Karen Gillian, que tem duas cenas excelentes onde ela consegue trazer tudo isso no seu papel. O Drax continua muito legal, ele tem aquela coisa de ser o grandalhão bobo (isso é até zoado entre os outros personagens), mas ele consegue se demonstrar mais do que isso, entrando num papel mais humano que nunca esperaríamos ver baseado lá no original de 2014. Ele complementa uma dupla muito bacana com a Mantis, que se repete aqui, entregando uma parte cômica muito interessante, só que ela tem um lado mais puxado para o drama, já que ela busca ter sua própria jornada, já que ela foi serva do Ego a vida inteira e depois uma membra comum dos Guardiões, então tem esse drama sendo implícito, além de que eu acho que ela é a que melhor usa suas habilidades aqui. O Groot continua a mesma coisa, sem muito desenvolvimento, apenas uma parte mais engraçada, mas ele funciona do mesmo jeito, o Groot é um caso raro de que não precisa de nada para dar certo dentro da trama, apenas ter algumas ações interessantes, um carisma incrível e uma boa química com os outros personagens.

O vilão é interessante, ele tem uma motivação bem diferente e bem legal, que funciona porque o Chukwudi Iwuji é muito doidão, ele tem uns exageros propositais que se encaixam muito bem, uma expressividade impressionante, ele grita como ninguém e funciona perfeitamente e uma relação com o Rocket bem construída, que o transforma no vilão mais detestável da Marvel por tudo o que ele faz e representa, ele é nojento, quando você o vê em tela dá uma angústia, uma raiva incontrolável. Outra figura antagonista é Adam Warlock, que ele é um bom personagem, mas como vilão ele é um problema, já que ele fica muito à toa no meio disso tudo, tendo uma função antagônica verdadeiramente na primeira cena, sendo apenas um servo da Ayesha (Elizabeth Debicki) - também desperdiçada, que era uma serva do Alto Evolucionário. Mas eu gostei dele no geral, e aqui vai um pequeno spoiler: quando ele se revolta contra o Evolucionário funciona excepcionalmente bem, porque ele é praticamente um bebê aprendendo como se vive, ele não tem nenhum costume, nenhum conceito, só sabe falar e atacar, isso é muito interessante. Inclusive ele é fundamental para o acontecimento da trama, então é impossível dizer que ele foi um erro total, acho que até o James Gunn achou essa ideia dele ser vilanesco meio ruim e tentou tirar isso fora o mais rápido possível.

Uma das coisas mais legais do filme é a Gamora, eu gostei muito da forma na qual ela foi utilizada. Agora ela é uma Saqueadora, aparecendo junto com o Stakar Ogord (Sylvester Stallone), só que ao longo da história há a insistência do Quill em tentar fazer dela aquela velha Gamora, mas acontece que isso não vai mudar, ela é outra pessoa agora e está satisfeita com isso, apesar de ter resquícios de sua antiga "eu" que foi de base. A atuação da Zoe Saldaña se supera também, eu me lembro dela sendo bondosa e fofinha lá no Vol. 2 e aqui ela é uma extrema desgraçada em vários pontos, ela consegue ser tão babaca quanto a Nebulosa era nos dois anteriores, tendo alguns momentos que você sente um desgosto tremendo só do fato dela aparecer. Porém ela nos gera cenas de ação sensacionais, não só ela, como todo elenco e equipe de dublês, tendo facilmente a melhor ação de algo dos Guardiões e uma das três melhores da Marvel com toda certeza, é algo que combina com o tom dramático só que ainda trazendo a aura da aventura e da ficção científica para a história. E uma verdade aqui: tem uma das cenas de ação mais icônicas e impressionantes de todo MCU, um plano sequência num corredor que dura cinco ou seis minutos e ainda tocando uma das músicas mais hype de todos os tempos que é "No Sleep Till Brooklyn" dos Beastie Boys.

Aliás, soundtrack do James Gunn impecável de novo, você pode até não gostar dele, mas tem que assumir o seu bom gosto musical. Toca Radiohead com uma versão acustica de "Creep", toca "Since You've Been Gone" do Rainbow, tem Alice Cooper com "I'm Always Chasing Rainbows", tem a excelente "Crazy on You" do Heart, é mais uma trilha sonora espetacular, mas a citada no parágrafo anterior "No Sleep Till Brooklyn" foi a mais icônica na minha visão, pela forma e pelo momento que a utilizaram, não me surpreendo se ir para as paradas novamente (acho que não vai não, mas seria legal). Tecnicamente impecável, não tem como escapar disso, até o CGI que está tendo esta crise absurda em Hollywood foi muito bom aqui, 99% dos efeitos é excelente (tem um só que é muito esquisito, mas é um frame de quatro segundos, se eu reclamar disso é frescura), o Rocket, o Groot e outros personagens apresentados são excelentes, além do design do próprio espaço, dos lugares que eles vão passando, somado a uma direção de arte e cenografia espetaculares. A maquiagem novamente excelente, a do Alto Evolucionário é muito bacana, claramente baseada na do Peter Sellers em "Robocop" (1987), além das que a gente já viu que não precisa ressaltar novamente, da Gamora, o Drax, Nebula, Mantis, a própria Ayesha, até o Kraglin e os personagens terciários que ficam de fundo. Tem muito o uso de próteses em uma cena BISONHA, onde eles vão parar em um certo planeta esquisito, mas funciona por fazer sentido com o plano do vilão.

Um arco-íris no escuro, "Guardiões da Galáxia Vol. 3" pode ser considerado o momento de esperança para os fãs da Marvel, um respiro em uma sequência de filmes e séries insatisfatórios para o público geral, pois esse é genuinamente bom, ele é bom em todos os quesitos. Dramático quando necessita, engraçado nos pontos certos, ação extremamente empolgante e divertida, mas que acaba sendo os momentos em que não fica uma certa melancolia por você estar vendo uma sequência de tantos acontecimentos tensos e sérios, chega um momento lindo e histórico do MCU, que é o terceiro ato maravilhoso. Elenco excelente, encerramentos dos arcos perfeitos, parte técnica impecável, tom espetacular, tudo harmonizado nesse grande encerramento. Eu já assisti tantas vezes os dois primeiros filmes e os dois Vingadores que eles aparecem que a sensação que me passa é que eu dei adeus aos meus amigos, é a mesma sensação que eu tenho quando termino uma série, é como se fosse a despedida definitiva dessa galera que já me fez rir, me fez chorar e me deixou empolgado tantas e tantas vezes. Eu só tenho a dizer: muito obrigado por tudo que vocês, James Gunn e o elenco dos Guardiões, fizeram por mim, eu com certeza me tornei uma pessoa melhor assistindo esses filmes e, por mais que soe ridículo eu falar que chorei vendo filminho de herói, que me emocionei vendo esses personagens indo embora, eu não me importo, porque só eu sei o que esses filmes me ajudaram em momentos difíceis, mas isso não importa agora, o que importa é que esse filme é um grande acerto.

Nota - 8,5/10

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