Crítica - Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989)

O apogeu da franquia Indiana Jones.

Depois de dois clássicos bem sucedidos, "Os Caçadores da Arca Perdida" (1981) e "Indiana Jones e o Templo da Perdição" (1984) - que já tem meus textos sobre eles por aqui - há o retorno de um dos grandes ícones da história do cinema, novamente sob o comando de Steven Spielberg e na pele de Harrison Ford. Uma coisa que todos sabemos que sempre ocorre em Hollywood é que as continuações sempre recebem mais grana para a produção, assim possibilitando uma escala sempre maior em praticamente tudo, desde a produção que fica mais caprichada até os nomes do elenco, isso se aplica ao Templo da Perdição e aqui, porém esse sabe utilizar esse orçamento melhor para criar coisas novas e aumentar as proporções de sua trama e da produção no geral. O primeiro custou U$20 milhões para ser feito, o segundo deu uma crescida para U$28,7 milhões, esse no entanto custou U$48 milhões, muito mais, e justifica isso nos trazendo uma experiência inacreditável de boa, uma história que serve para toda a família, mas que tem seu quê mais maduro, uma trama que se foca mais no relacionamento do protagonista com seu pai, que traz um contexto religioso um pouco mais forte, que acaba por ser o mais legal da franquia, sendo melhor que seus antecessores e acrescentando mais à essa grande série, que na época era vista como uma trilogia que viria a se encerrar de maneira magnífica.

Esse sim serve como uma sequência para o clássico Caçadores, já que se passa em 1938, onde vemos nosso querido Dr. Indiana Jones (Harrison Ford) indo em uma missão para encontrar o Santo Graal, o artefato em que consta o Sangue de Cristo, no entanto, o herói descobre que seu pai, o Professor Henry Jones (Sean Connery), foi dado como desaparecido e vai salvá-lo, enquanto novamente precisa lidar com os nazistas pegando no seu pé. O intuito de Spielberg aqui é explorar mais o personagem em si, trazer um lado dele que não estávamos acostumados a ver, que mexa diretamente em sua pessoalidade e que explore mais tanto seu passado, suas ambições, motivações e como ele virou esse grande aventureiro, o porquê dele gostar tanto de ser arqueólogo, nisso vemos como se dá a sua relação com seu pai e com a própria profissão, que vem logo na infância como mostrado em um flashback no início com o jovem Indiana Jones (River Phoenix), que é um momento muito legal de analisar. Nessa cena inicial, já mostra que o espírito de aventura e justiça corre nas veias de Indy desde sempre por influência do seu pai, mostra ele roubando um grande artefato da história da humanidade, o crucifixo de Coronado, e tendo já uma grande cena de ação logo no início, que é legal mostrar esse lado do personagem, adicionando um pouco mais de coração ao longa.

Inclusive o coração é algo meio deficiente em partes do antecessor, o que acaba decepcionando pelo quão bem feito é o primeiro, no entanto aqui esse lado mais emocionante, mais iluminado, por assim dizer, onde tudo que acontece tem um significado gigantesco. É feito com muito carinho pelo Spielberg e por todo mundo envolvido, já que é esse lado que o deixa tão memorável na mente do público, desde a exploração da relação paternal, até os acontecimentos que vão se desenrolando ao longo da trama, que vão das cenas mais legais de ação e aventura com grandes proporções de efeitos especiais, até cenas mais dramáticas e até momentos tensos, como o Indy no meio de uma celebração dos nazis e ficando cara a cara com Hitler. O que o Spielberg faz é um trabalho que só realmente um mestre conseguiria realizar, criando essa experiência através desses momentos, essa mistura de gêneros, que vão tanto para o lado mais "nerd" do diretor, quanto para o lado dramático pessoal dos personagens, que ele sempre conseguiu encaixar bem nessas tramas. É engraçado que depois de assistir "Os Fabelmans" (2022), um dos melhores filmes do ano passado e do diretor, essa obra, assim como muitas outras do vovô, acabam ganhando um novo significado, pois aqui eu consigo enxergar na relação dos personagens de Harrison Ford e Sean Connery a mesma sensação que Spielberg descreve sua relação com seu próprio pai em Fabelmans, o que dá um sentido muito maior para as coisas e prova que não é preciso inspirações gigantescas para que um grande filme se origine, aqui uma base simples da vida do realizador já foi o suficiente para criar tamanho relacionamento entre pai e filho - voltarei nisso depois.

Nas cenas de ação e parte técnica, é mais um show à parte que contribui perfeitamente para a trama e sua qualidade, inclusive é impressionante que com U$48 milhões os caras fizeram tanta coisa incrível em 1989 e hoje em dia com U$250 milhões alguns estúdios gigantescos não conseguem fazer um chroma key decente. Direção de arte perfeita e acurada que consegue criar cenários estonteantes e fazer uma recriação praticamente perfeita da época, trabalho sonoro exemplar que consegue mesclar os sons de veículos com explosões, a natureza e a própria música, efeitos práticos que surram o CGI de muito filme de hoje em dia (quando tenta usar o CGI obviamente fica um pouco datado), além da trilha sonora do John Williams novamente perfeita, que consegue trazer essa aura, esse coração todo ao longa, com trilhas que criam emoção, tensão e a adrenalina quando necessárias. Geralmente essa necessidade vem em momentos de ação e aventura, onde hão grandes setpieces ao longo de toda a exibição, desde o início com o jovem Indiana no trem, depois com a cena dos barcos e a minha favorita que é a cena do deserto quase Mad Max, são todas cenas incríveis que até hoje enchem os olhos por seu capricho e por terem envelhecido extremamente bem. 

Algumas coisas que Spielberg melhora infinitamente do segundo para cá são o par romântico e a figura antagônica, ou melhor, as duas em uma, já que temos a presença de Elsa Schneider (Allison Broody), que começa como uma aliada, aparentemente uma conhecida do Professor, que ajudaria Indy, e aí ela acaba se apaixonando por ele, tem uma relação muito rápida, mas interessante, só que há a revelação de que ela é uma nazista. Entretanto, sua afiliação é mais uma espécie de ponte para o seu objetivo, que é o Santo Graal, o macguffin da vez. Ela dá uma surra na Kate Capshaw em todos os sentidos, dá um banho em atuação e na química com o Indiana Jones, mesmo sendo uma infiltrada, passa mais verdade em sua performance que qualquer outro vilão da franquia, apesar dela não ser tão antagônica assim por algumas atitudes, ainda é considerável. Mas, convenhamos, o retrospecto  de antagonistas da franquia não é tão legal, os filmes acabam sendo mais funcionais pelo protagonista e seus aliados secundários, como a Marion no primeiro, o Short Round no segundo e aqui com seu pai, Sallah (John Rhys-Davies) e Brody (Denholm Elliott). Inclusive, esse grupinho do Indiana é extremamente funcional, o Brody é aquele cara mais sério que agrega muito às cenas e o Sallah, que já havia dado as caras no primeiro, é extremamente cativante e surpreendentemente bad-ass, com o John Rhys-Davies no papel que é dono de um carisma inigualável, tanto que está até hoje na franquia, sendo o que mais aparece só atrás do Indy, obviamente.

Nas atuações, temos o Harrison Ford em uma das únicas atuações da carreira dele que ele parece não estar odiando o que faz (ao lado de seus antecessores e mais uns quatro ou cinco), ele traz essa aura do Indiana Jones cada vez mais forte, o espírito heróico e aventureiro cada vez mais presente em sua história, onde aqui ele consegue misturar seu carisma com o amor pela arqueologia, a relação um pouco conturbada com o pai e seu conhecimento, deixando o protagonista cada vez melhor, mais memorável e icônico dentro da história do cinema. Mesmo assim, consegue ter a cena roubada pelo Sean Connery, que óbvio, é um dos maiores atores de todos os tempos, mas mesmo assim o que Connery faz aqui é absurdo, o cara consegue criar essa figura do pai que é um pouco mais fechado em relação aos sentimentos, que se foca mais no trabalho que na vida pessoal e na família (o que acaba refletindo na personalidade do filho), mas como essa interação deles dois vai avançando ao andar da trama é especial, mostra uma aproximação incrível, com os dois conseguindo finalmente entender um ao outro, com as sensações deles sendo demonstradas perfeitamente, implicitamente e depois explicitamente através de diálogos incríveis que reforçam o que talvez seja a melhor relação pai-filho do cinema, é maravilhoso, não é à toa um filme icônico de dia dos pais.

O até então encerramento de uma até então trilogia perfeita, "Indiana Jones e a Última Cruzada" é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, seja no gênero de ação/aventura, na carreira de Steven Spielberg, meu favorito dentro da franquia e um que está no meu top 30 favoritos de todos. Eu sei que o primeiro é um clássico espetacular e marcante, mas é justamente por isso que esse acaba funcionando mais, olha o que fizeram com um personagem e uma história que tinha gerado um dos maiores clássicos da história do cinema já naquela época, pegaram, aumentaram as proporções, deram mais profundidade à trama e geraram uma experiência minimamente marcante. Com Harrison Ford perfeito no papel mais uma vez, Sean Connery roubando a cena, um elenco de apoio surpreendentemente muito bom, parte técnica excelente, cenas de ação de tirar o fôlego mesmo depois de trinta e quatro anos e uma trilha sonora gigantesca e memorável de John Williams, é tudo muito perfeito. É uma pena que inventaram de fazer aquela porcaria de quarto filme depois, se acabasse por aqui seria 100% perfeito.

Nota - 10/10

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