Crítica - Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984)
Um pouco bizarro, mas ainda bem legal.
Todos sabemos o grande fenômeno que foi o primeiro Indiana Jones, ou melhor, "Os Caçadores da Arca Perdida" (1981), um dos maiores clássicos da história do cinema (eu já falei isso no meu texto sobre o mesmo), que foi um sucesso estrondoso de público e crítica, fez mais de U$384 milhões de bilheteria mundialmente (que já é absurdo hoje em dia, imagina em 1981) e venceu cinco Oscars, sendo indicado em nove categorias. Com isso, uma sequência era aguardada, pois é impossível um sucesso desse tamanho não receber nada depois. Com Steven Spielberg retornando na direção e trazendo Harrison Ford novamente para o papel do arqueólogo, temos uma boa aventura novamente, no entanto, se trata de uma prequel, se passando antes dos eventos do clássico, o que já descompromissa muita coisa, entretanto acaba nos tirando certos elementos que funcionaram perfeitamente, mas adicionam outros também muito bons para o cânone da franquia. Só que sofre com aquela mesma questão de sempre: a comparação com o original, já que existe muita gente que não gosta porque não está no mesmo nível, e é verdade, o primeiro é absurdamente melhor por alguns motivos, mas esse não fica tão para trás, já que até hoje é bem lembrado.
Um ano antes dos eventos de Os Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones (Harrison Ford) sobrevive a uma tentativa de assassinato em Xangai e, ao lado do seu amigo órfão Short Round (Ke Huy Quan) e da cantora Willie Scott (Kate Capshaw), acaba parando em uma vila na Índia chamada Mayapore, e decide ajudar o povo daquele local a vencer um mal que os está deixando com fome e roubando suas crianças. História novamente bem simples, mas que aqui há seus problemas envolvendo algumas retratações culturais que não envelheceram tão bem assim, no entanto é sempre bom voltar àquele velho dizer que todos sabemos, que o filme retrata a época e que a visão daquele tempo sobre o assunto era daquele jeito e tal e que a história não pode ser apagada, todo mundo sabe e entende esse papo. No entanto, isso é em menor escala do que as pessoas falam, apesar de ter uma cena ali que é meio bisonha, mas no geral é o esperado para uma obra da época (continua errado do mesmo jeito, mas não atrapalha essa experiência). O maior problema, apesar de tudo isso, acaba sendo a protagonista feminia, Willie, mas disso eu falo depois.
Spielberg no geral entrega uma bela experiência de ação e aventura, fazendo grandes setpieces, com uma fotografia complicadíssima, trabalho técnico impecável, trilha sonora do John Williams novamente estralando de fundo, combinado a um desempenho incrível do Harrison Ford, é tudo muito legal. O diretor faz esse longa criando sempre um clima aventuroso, colocando o Indy e seus aliados em situações das mais inusitadas, que futuramente veio a inspirar vários jogos de videogame, pois os nossos heróis são colocados em várias situações que vão aumentando a proporção a cada fase que eles passam. Começa já na ação desenfreada com a máfia de Xangai, logo depois já mostrando os protagonistas indo para o castelo e tendo que descobrir as coisas lá de dentro enquanto há aproximação e desenvolvimento da relação do trio principal. No final, acaba sendo bem marcante, incrivelmente legal de assistir e que traz uma sensação boa na maior parte da exibição. Mas, meu maior problema acaba sendo com o tempo, já que surge uma barriguinha ali, uma gordura na parte onde o Dr. Jones é controlado pelos vilões, ali realmente fica chatinho, se resume ao Harrison Ford fazendo uma cara de bunda e a Kate Capshaw gritando igual uma cabra, aí sim bate um soninho.
Apesar disso, acaba por contar com uma boa atuação do Harrison Ford, só por ele aparentar não estar de saco cheio já é ótimo. Cara, poucos atores tem tanto carisma, presença e imponência quanto Ford, ele é aquele ator que todo mundo sabe que não é um dos melhores artisticamente falando, porém todos gostam dele justamente por isso, ele cativa o espectador, deixa-o atento na trama, cria figuras icônicas com um material simples, e apesar de detestar a maioria, ele se entregava ao máximo nessa época. Aqui ele é dono de uma aura incrível, novamente interpretando o herói aventureiro, porém falho, que tem seus erros e defeitos às vezes, e eu disse isso no texto anterior, o fato dele ser imperfeito traz uma aproximação maior com o espectador, por isso que é um personagem e uma franquia que sobrevivem há tanto tempo. Ele tem uma química excelente com o Short Round, que é um dos grandes acertos de toda a série. Como o primeiro fez sucesso com toda família, a adição de um personagem mirim foi uma baita jogada, ainda mais sendo jogado nas mãos do Spielberg, que sabe como ninguém trabalhar com atores infantis e extrair o máximo do potencial de cada um. Shorty é interpretado pelo nosso queridíssimo Ke Huy Quan, que voltou recentemente, sendo oscarizado esse ano, e desde criança ele já mostrava várias virtudes que só fomos apreciar nesse comeback, ele é engraçado, tem um timing cômico impecável, sabe como se portar nas cenas de ação e é muito esperto nisso do tempo, tem uma cena clássica dele e o Indy jogando baralho e é toda improvisada por ele, é muito bacana esse momento.
Contudo, um dos problemas, como disse, é Willie Scott, o par romântico do Dr. Jones, porque saímos da Marion no filme anterior, uma baita de uma personagem que é forte, que é corajosa, que brada tanto quanto o Indiana Jones, enquanto a Willie é uma mera donzela em perigo que tem as reclamações femininas mais estereotipadas que existem, porque no meio da ação rolando ela tá lá reclamando do cabelo bagunçado e que a unha quebrou. A ideia era justamente ser a antítese da Marion, fato confirmado pelo próprio Steven Spielberg, no entanto a atriz, a Kate Capshaw, é muito fraca, pois ela se resume a fazer um sorriso para a câmera, gritar histericamente e ficar com roupas curtas e longos decotes (não que essa última parte seja um problema, para deixar claro). Além disso, a química dela com o Harrison Ford é quase nula, tem um negócio meio "enemies to lovers" na relação deles, que é até interessante, mas a performance da moça que dá uma arruinada. Na realidade, o que arruína é a inevitável comparação com a Karen Allen, talvez se esse fosse o primeiro filme não seria um problema tão grande, porém o fator sequência (apesar de ser prequel) acaba sendo um tropeço nesse quesito em específico.
Com menos qualidade, mas ainda muito bom, "Indiana Jones e o Templo da Perdição" é uma aventura tão legal quanto a de seu antecessor. Trazendo Harrison Ford novamente explorando um lado diferente é incrível, com uma relação excelente dele com o Short Round, até hoje um dos melhores sideckicks da história do cinema. Indiana Jones ia se consolidando cada vez mais como um personagem e uma marca fortíssima, não é para menos, com tanta qualidade esbanjada em apenas dois filmes, que alguns anos depois viria a ter um terceiro que fecharia uma trilogia perfeita (e depois um quarto filme que viria para ferrar com tudo). Apesar de seus problemas e elementos que ficaram datados, continua sendo um grande filme de ação, de aventura e extremamente engraçado em vários momentos, é um entretenimento perfeito para a tarde até hoje. É realmente marcante, eu adoro essa franquia.
Nota - 8,5/10