Crítica - Noite Infeliz (Violent Night, 2022)

A desconstrução maluca e brutal do Papai Noel.

Segundo ano consecutivo de especial de Natal por aqui, ano passado trouxe críticas de grandes clássicos natalinos da história do audiovisual, como "Duro de Matar" (1988), "Esqueceram de Mim" (1990), "A Felicidade Não Se Compra" (1946), "O Grinch" (2000) e o maior de todos: "Feliz Natal, Drake & Josh" (2008). Esse aqui, originalmente, era para estar ano passado no lugar do Grinch, mas infelizmente não consegui vê-lo no cinema pois tive que escolher entre este e "Avatar: O Caminho da Água" (2022) para gastar meu sagrado dinheiro e, bom, não dá para dizer que eu desperdicei (até porque vocês lembram que Avatar foi um dos melhores do ano passado na minha visão). No entanto, finalmente assisti e trouxe para a página esta coisa incrível, o cara que teve essa ideia de Papai Noel meio Liam Neeson e meio John Wick é um gênio, que conceito brilhante e bem aproveitado, apesar de certos clichês e coincidências narrativas apresentadas durante a trama.

Acompanhamos uma versão bruta, alcoólatra e depressiva do Papai Noel (David Harbour), que está se divorciando de sua esposa, a Mamãe Noel. E não, diferente de outros filmes, não é um Noel de shopping ou lojinha, é o próprio. Quando o Papai cai em uma mansão  por conta de uma conexão de walk-and-talk com uma menina chamada Trudy (Leah Brady), ele se vê numa obrigação moral de sair na mão com ladrões que invadem a casa em busca de milhões guardados pela vó de Trudy, Gertrude (Beverly D'Angelo), essa gangue é liderada por Jimmy, um garoto traumatizado pelo Natal quando criança que agora quer destruí-lo se autointitulando Mr. Scrooge (John Leguizamo). Então, seguimos o Bom Velhinho simplesmente descendo o cacete em geral na maior ignorância e sanguinolência possível. Desconstrução do Papai Noel não é novidade, tivemos várias há já muitos e muitos anos, dá para citar o drogado irresponsável de Billy Bob Thornton em "Papai Noel às Avessas" (2003), o marombeiro de "A Origem dos Guardiões" (2012) e até um Noel da CIA interpretado pelo Mel Gibson em "Entre Armas e Brinquedos" (2020). Porém, com essa abordagem de anti-herói bad-ass com problemas pessoais e uma sede de brutalidade, havia sido pouco e mal explorado previamente.

A direção é do norueguês Tommy Wirkola, que fez outros sucessos em suas respectivas épocas, como "João e Maria: Caçadores de Bruxas" (2013) e "O Que Aconteceu a Segunda?" (2018), como notado, ele já alterou outra grande história da humanidade para uma versão de pancada e tiro previamente, então tem experiência e qualificação para transformar o Noel no John Wick. Aqui ele tem uma história bem rasa, simples, mas suficiente, onde temos essa família rica que é completamente disfuncional, com a matriarca ricassa que todo mundo baba o ovo para conseguir boas recompensas, um filho, Jason (Alex Hassell), que tenta se afastar mas sempre cai na tentação monetária e sua irmã, Alma (Edi Patterson), que vive em busca de atenção, que tem um marido ator (que é basicamente uma versão fracassada do Johnny Cage) e um filho digital influencer (e que gosta de passar a mãozinha em mulher), além da esposa de Nick, Linda (Alexis Lounder), que vem se afastando pela relação doentia dele com a grana da família, e sua filha, que através de um walk-and-talk vagabundo faz a ligação com o gordão presentes. A forma que eles encontraram para relacionar o bom e velho Nick com a família foi uma solução bem vagabunda, na minha visão, mas seria difícil outra maneira crédula de isso acontecer dentro do contexto narrativo àquela altura, então é perdoável.

Os maiores problemas acabam sendo justamente nessa parte de história, como as coincidências narrativas, os clichês batidos em relação aos reféns e criminosos e a motivação do vilão que é bem acima do que tem que ser. Os arquétipos de personagens são todos batidos, vemos basicamente toda hora em um whodunnit então poderia ter sido mais criativo nesta parte. As coincidências também são meio intragáveis, pois muita coisa acontece por simples e pura vontade do roteirista, até a metade do segundo ato acaba sendo um ponto pejorativo, depois acabam jogando a favor da narrativa e criando uma sensação incrível. Os motivos do antagonista são bem bestas também, inicialmente faz até sentido, o cara querer uma grana dada àquela família pelo governo para esconder segredos sujos, parecia o início de uma crítica social vindo, mas termina que sua motivação muda em minutos e ele quer simplesmente destruir o Natal por conta de traumas na infância. Desperdiçam uma grande chance de ser mais que porrada para tentar enfiar que o cara teve uma situação triste aos 11 anos que motivou ele trinta e poucos anos depois. Sem contar o John Leguizamo em uma performance extremamente caricata e insuportável de assistir, ele é muito chato e quando ele aparece apresenta uma ameaça demasiadamente exagerada contra o Papai Noel, que além de um ser místico, é um ex-viking na mitologia apresentada, então deram uma nerfada no véio barbudo. O fato dele ser chatão é funcional porque ele é o vilão, mas a ameaça apresentada não deveria ser tão grande.

Falando do próprio São Nicolau, cara, que ideia maluca que esses caras tiveram. Tem o filme da Netflix, o "Crônicas de Natal" (2018) com o Kurt Russell, que já é meio que uma desconstrução do conceito, com um Noel um pouco mais magro e arrogante, e aqui é como se fosse uma paródia dessa versão, pois temos um Bom Velhinho que está no suco, tatuado, um ex-guerreiro nórdico e alcoólatra, que está passando por uma fase difícil, onde está brigado com sua esposa e, aparentemente, foi expulso de casa. Ele já não vê mais propósito até estabelecer laços com a garotinha, que relembra ele o porquê da importância dele ser o Papai Noel. Tem toda a questão fantástica da dita "magia de natal", mas também há a questão real, dele falar que realmente é o Papai Noel e os adultos não crerem, pois é como é falado no filme: "quanto mais velho, fica mais difícil de acreditar em alguma coisa", e acaba sendo verdade, pois com o caminho natural da vida vêm as dívidas, as dores nas costas, contas para pagar, família para cuidar, trabalho, nisso realmente fica difícil acreditar na magia, no fantástico, mas ainda hão faíscas disso em alguns momentos. David Harbour tem um carisma inigualável, não é muito diferente como atuação, parece o Hopper com roupa de Papai Noel, mas ele cativa naturalmente, fazendo com que você se importe e entenda ele. 

Acho que o principal ponto a ser destacado são as cenas de ação. Basicamente existe uma marreta, e essa marreta divide o filme em duas partes: sem ela e com ela. Quando está sem ela, é legalzinho, é massa de assistir, mas não é algo que você lembra, apesar de bons diálogos do protagonista com a garota. Agora com a marreta, vira outros quinhentos, porque simplesmente vemos uma brutalidade gráfica impressionante, que tem um pouquinho de gore, mas o que faz o Papai Noel aqui é de uma crueldade impressionante, num sentido bom porque ele não machuca nenhum inocente. A cada acessório que ele vai ajudando, fica cada vez mais criativo, tem uma que é extremamente pesada, parece um assassinato de um slasher, mas que pelo fato de ser o Papai Noel fazendo torna-se cômico. Voltando a questão da história, é um filme bem redondo, que se fecha em si mesmo, é só olhar a imensa quantidade de Armas de Tchekhov envolvidas, nada depois da abertura é em vão. A menina, por exemplo, é dito que ela viu Esqueceram de Mim no início e no final ela encarna o Macaulay Culkin fazendo aquelas armadilhas bizarras (essa criança precisa de psicólogo). Agora vem a questão: isso é bom ou ruim? Olha, não acho ruim, o diretor sabe o que quer aproveitar, mas me incomodou o excesso, era muita informação e quando tudo se prova útil acaba causando certa confusão.

Em suma, "Noite Infeliz" é problemático, enrola para chegar aonde quer, mas quando chega é simplesmente apocalíptico, insano, brutal e legal de assistir. Com uma subversão de Papai Noel que já foi tentada anteriormente tantas vezes, mas nunca com tanta sanguinolência e brutalidade quanto aqui, fazendo com que o Bom Velhinho cause mortes tão brutais que nem os grandes serial killers do cinema, como Jason ou Michael Myers, fizeram. David Harbour é excelente, não faz muito diferente do seu papel na primeira temporada de Stranger Things, mas ele se impõe e cativa de forma espontânea, entregando uma versão dramaticamente boa do personagem, cujo você consegue empatizar com os problemas daquele personagem ao mesmo tempo que curte ele convocando uma galera para um jogo com o Pelé. É bem bacana de ver, quem curte comédia de ação ou filmes de ação com armas vai curtir.

Nota - 7,5/10

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