Crítica - O Telefone Preto (The Black Phone, 2022)
Um horror sem novidades, porém muito bem feito.
🚨 Texto com spoilers 🚨
Esse filme é uma adaptação de um conto, mas eu creio fielmente que na verdade esse filme adapta o mito do lendário Homem do Saco, que rouba as crianças malcriadas que não comem brócolis. Brincadeiras à parte, o filme ele fala sobre um sequestrador que vem raptando crianças aparentemente sem nenhum motivo, ele é só dodói da cabeça mesmo e aí ele acaba sequestrando o Finney (Mason Thames), um garoto com nome de bala que vai ter que descobrir como sair daquele local de alguma forma. O grande chamativo do filme para mim foi o fato do Ethan Hawke estar como vilão, porque o Ethan Hawke não tem cara de vilão, ele tem cara de pai (parece que agora parece que ele está explorando mais esses papéis diferentes, neste ano ele já interpretou dois vilões e um rei medieval) e ver ele fazendo um vilão de terror seria uma experiência bem interessante e realmente foi, mas o filme inteiro me surpreendeu, em questão de trama não é nada demais, mas a direção de Scott Derrickson põe o filme em outro patamar.
O filme tem uma certa demora até chegar aonde importa, mas é uma demora que desenvolve muito bem o protagonista e estabelece quem é o Finney, a dinâmica da vida dele, a relação familiar, já mostra ele como um garoto que sofre bullying por zero motivos, mostra as amizades dele, que ele é um garoto bom no beisebol e principalmente o quanto a dinâmica familiar dele é complicada, com uma mãe que se suicidou, um pai (Jeremy Davies) que se importa, mas que é alcoólatra e um pouco violento as vezes, e a irmã mais nova (Madeleine McGraw) que ele tem uma relação mais forte e ela acaba por ter uma ligação com o sobrenatural. Acho que essa parte sobrenatural do filme é o calcanhar de Aquiles da obra porque é muito confuso, você demora muito para entender o que tá acontecendo e isso atrapalha o filme de certa maneira, essas partes dos sonhos da Gwen são meio broxantes, sempre tá uma adrenalina e tensão gigante no cativeiro e aí corta para a guria sonhando, isso é mediano, mas no final acaba sendo funcional.
A base do filme (além desse conto) provavelmente foi "It - A Coisa" de Stephen King, que também tem toda essa questão do garoto raptado, só que aqui vemos mais a visão da vítima do sequestro do que das pessoas que vão buscá-lo e o jeito que o Derrickson trabalha essa vivência do Finney dentro daquele quarto é muito boa, realmente é agonizante e o design de produção do filme nesse momento necessita de destaque, esse local imundo, escuro e praticamente inabitável vai ficando cada vez maior aí longo do filme e a participação sobrenatural dos fantasmas das crianças anteriormente raptadas, apesar de ser um pouco rasa, vai contribuindo para um final arrepiante, a derrota do sequestrador é muito boa, é bem satisfatória e é de vibrar, ver que tudo que foi construído e trabalhado ao longo do filme deu em algo dá uma felicidade por algum motivo desconhecido e é uma das cenas mais bad-ass do ano que eleva o nível do filme, se não fosse essa cena minha nota com certeza seria um pouquinho menor.
As crianças mandam muito bem nos seus respectivos papéis, o Mason Thames consegue captar muito bem o grau de complexidade necessitado na performance, ele consegue transmitir as emoções do personagem na frequência certa, ele sempre consegue passar o ar de que o personagem está com medo, que ele quer sair dali e também uma certa coragem que vai se desenvolvendo até o terceiro ato do filme, além dele ser um personagem empático, você cria empatia por ele de cara e isso é mérito do ator. A Madeleine McGraw rouba a cena, a garota é muito carismática e tem muito futuro na indústria, você também cria empatia por ela pois vê que ela sofre um pouco na mão do pai que é violentamente abusivo com ela e depois ao longo do filme você vai se apegando a ela porque ela sente a falta de seu irmão e a presença do mesmo em algum lugar e a atriz sabe perfeitamente como demonstrar os sentimentos da personagem, você consegue ver a tensão, o susto, a perplexidade no rosto dela e ela é icônica, tem momentos marcantes no filme como "Jesus. What the f*ck?". E a relação dos dois é o grande forte do filme, ao longo da exibição vemos como a fraternidade entre eles acaba sendo fundamental para a resolução do sequestro, o filme acima de tudo é sobre isso, a relação de dois irmãos.
E o vilão do Ethan Hawke é indubitavelmente a melhor coisa do filme. Se for para definir o personagem em uma palavra, seria: INSANO. O fato dele não ter uma motivação aparente o deixa cada vez mais insano. Não sabemos quem ele é, não sabemos o que ele quer, não sabemos nem sei nome, mas ele põe um medo absurdo na atuação, ele entende perfeitamente esse psicopata perturbado que faz de tudo para chegar ao seu objetivo final (matar a garotada) e ao desenrolar do filme há todo um desenvolvimento do plano dele e dos joguinhos mentais e físicos que ele gosta de jogar com os jovens, esse cara é um totó da cabeça profissional ao ponto de matar o próprio irmão por causa disso. É um vilão magnífico, tem uma máscara marcante e ele é totalmente creepy, dá medo quando ele aparece em cena.
"O Telefone Preto" é um ótimo filme de terror. Ainda sofre com convenções e clichês do gênero, como o fato do protagonista ser um burro e os policiais mais burros ainda (a van preta literalmente estava estacionada com o portão da garagem aberto e ninguém percebeu, sendo que a polícia inteira estava no outro lado da rua), mas é um filme que entretém, que te põe medo, que te deixa tenso e que tem um elenco muito talentoso e um ótimo diretor de horror no comando, que transforma uma história simples e clichê em um filme profundo, tenso, que é mais que um filme de terror, é um filme sobre fraternidade acima de tudo e sobre como a relação entre irmãos sempre vai ser forte (exceto os irmãos Gallagher).
Nota - 8,5/10