Crítica - Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All At Once, 2022)

Engraçado e ousado.

Esse filme surgiu bem do nada, para falar a verdade, eu não sabia que ele existia até ele ficar em primeiro no ranking do Letterboxd algum tempo atrás. Eu estava enrolando para assistir já tem um tempinho e finalmente decidi ver, sinceramente eu achava que não ia gostar, porque me parecia muito diferente do que eu costumo gostar, além de ser da A24, então eu tinha uma expectativa baixa apesar de tudo, mas com três minutos de exibição ele já me prendeu e eu fiquei imerso naquela trama logo de cara, no final eu acabei gostando demais. Muita gente vem pintando como a obra-prima da ficção científica desse século, como um dos melhores filmes de todos os tempos, mas eu acho que o filme não chega a esse nível, é um completo delírio na real, apesar de ser muito bom, eu adorei, mas acho que é um filme com alguns problemas (especialmente rítmicos), mas já já eu chego lá.

É dirigido pela dupla Daniels, o Daniel Kwan e o Daniel Schneirt, que juntos dirigiram "Um Cadáver Para Sobreviver" (2016), com Daniel Radcliffe (outro Daniel, olha só) e Paul Dano, que é uma viagem completa, e esse aqui consegue ser ainda mais viajado. É uma história que trabalha com o conceito de multiverso, existe praticamente desde os anos 60 quando a DC o introduziu nas HQs do Flash encontrando com o outro Flash que é Jay Garrick, desde então, vem sendo explorado por praticamente todos, que basicamente seguem uma linha lógica de viagens interuniversais e equilíbrio de infinitas realidades. Aqui os Daniels apresentam uma visão no mínimo diferente de como funciona o multiverso, é muito interessante. Vemos apenas a mente dos personagens viajando pelas realidades e com isso vamos vendo cada vez mais mundos diferentes, algumas bizarras, outras que fazem fanservices cinéfilos, outras que são um grande "e se...?" e a cada universo apresentado, vão sendo adicionados mais e mais elementos, agregando mais em na própria mitologia, fican cada vez mais rico detalhadamente, é um conceito muito bem trabalhado mesmo. Eu consigo perfeitamente imaginar os Daniels escrevendo o roteiro (sob efeito de uma plantinha verde, porque não tem como não ter sido escrito na base da maconha), tendo cada ideia maluca para colocar aqui,  as paródias que eles fazem a tudo, eles realmente queriam aloprar, fazer um filme que divertisse e que emocionasse, e conseguiram até mais do que isso, como percebemos nas reações da galera e da crítica. Apesar de obviamente surgirem os haters, que é natural com tudo que faz sucesso, mas isso não apaga nada do que eu senti assistidno.

Os Daniels curtem trabalhar a comédia de situação, pois o que ocorre em seus filmes é de uma bizarrice tão inacreditável que não dá para não rir. O absurdo que eles colocam em suas cenas, em seus conceitos, é bem legal, aqui mesmo, vemos a vilã espancando alguém usando pintos de borracha como se fossem katanas e no final fazendo uma pose de super-herói, o que me causou um ataque de riso. Com esse teor que eles curtem utilizar, vários dos universos são bem estranhos, como o do dedo de salsicha, o da piñata, o que é uma animação com traço de desenho de jardim de infância e vários outros. É legal que o próprio longa se assume de verdade como essa galhofa extremamente bizarra e é por isso que tanta gente gostou dele, de fugir do convencional e fazer uma coisa que quer ser escrachada, bisonha. Creio eu que não foi feito para ter esse impacto artístico todo que teve, mas acabou tendo justamente por ter essa pegada mais diferente, é muito diferente de tudo que já vimos sobre multiverso. Através dessas terras, vemos brincadeiras com diretores como Wong Kar-Wai e sátiras a filmes clássicos como os filmes de kung-fu de Bruce Lee e "Ratatouille" (2007) - Racacoonie melhor parte, merece um filme solo.

Porém, meu problema é indiretamente com a criatividade dos Daniels, pois eles criam tantos universos, com tantas possibilidades, que eles acham que a todo momento eles precisam ficar voltando em todos eles e ficam se repetindo toda hora. Isso atrapalha muito o andamento e o ritmo, que tinha uma vibe super legal, super divertida e acaba ficando meio entediante no final por conta disso. Ficou indo em todas as realidades e você já não sabia mais com o que se preocupar, com o que estava acontecendo e tudo mais. Na minha visão, se os diretores tivessem moderado mais nessa questão de universos na montagem, acho que o seria melhor, diminuir uns dois ou três ali que não haviam nenhum propósito nem cômico, que não fariam diferença, acho que ficaria melhor, até porque tem uns bem sem graça.

Contudo, o filme me conquistou principalmente pela humanidade que ele contém. Filmes de ficção científica tendem a ser um pouco mais frios quanto a relações interpessoais, mas esse aqui é muito humano mesmo, porque acima de ser um filme de comédia, ação e ficção científica, é sobre mãe e filha, sobre aceitação e que usa o multiverso como pano de fundo. Independente dos universos, algumas coisas não mudarão e aqui vemos que em todos os universos, Joy (Stephanie Hsu) foi rejeitada pela sua mãe por ter seu jeito desleixado, vagabundo e por ser lésbica, é triste pensar nisso de ser rejeitado por quem você é, eu nunca passei por isso (apesar da cinefilia), eu nem imagino a dor que deve ser isso e como isso é construído desde os minutos iniciais até os minutos finais é quase perfeito. Além do mais, os Daniels fazem com quem você entenda ambos os lados da história, tu consegue ver o sofrimento da Joy, mas também hão os motivos da Evelyn (Michelle Yeoh), que faz desse contrapeso algo que dá um boost na trama em um momento mais parado, no qual todo aquele nilismo, existencialismo e problemas familiares envolto na trama acaba por se tornar o verdadeiro vilão na narrativa, enquanto as duas personagens tentam fugir disso.

Falando em Evelyn, penso que o filme não teria o mesmo peso sem a atuação da Michelle Yeoh, que atriz espetacular! Ela faz perfeitamente todas as fases da personagem, no início ela consegue fazer magistralmente a mulher cansada da vida, que não aguenta mais sua vida pacata, seu marido e seus incontáveis problemas diários, depois quando ela começa a entrar no multiverso ela passa perfeitamente a confusão dela com tudo que vai ocorrendo e a forma como ela age a cada troca, a cada momento é incrível. Ela sai de uma moça normal desinteressante para uma grande heroína de ação com algumas cenas maravilhosas (inclusive cenas de ação notavelmente inspiradas em "Matrix"), que não só se limitam a ação e comédia, mas acabam brilhando especialmente pelo drama. O Ke Huy Quan também vai muito bem, quiçá até melhor que a própria protagonista, é assustador o jeito que ele muda personalidade, trejeitos, até a voz, é de impressionar qualquer um, pois do nada ele é um franzino de voz fininha e aí, quando ele troca de corpo, ele vira um gênio da física, um homão bad-ass, ao redor dos universos ele faz de várias formas incríveis o mesmo personagem e cada um de forma bastante natural, desde o fumante referenciando Kar-Wai até sua versão alfa, ele é um ator espetacular que fez o papel perfeitamente, caiu como uma luva e é um grande destaque. Quanto a Stephanie Hsu, acho que eu nunca vi nada parecido em questão de personagem, a forma como a personagem é, como ela vai virando ela mesma em universos alternativos com uma certa agilidade, além de seu drama ser muito bem explorado e suas motivações como vilã serem críveis.

Afinal, "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é essa obra-prima toda? Olha, para mim não, mas não deixa de ser um ótimo filme, apesar dos problemas que eu citei que tive. É original, extremamente criativo, divertido para o espectador e nitidamente para quem fez, tem conceitos muito interessantes sobre multiverso, finitude, multiplicidade, amor, família, existencialismo e vários outros assuntos. Além de tudo, é um longa que preza pela humanidade em seus personagens, criam muito bem a relação da protagonista com seu marido e, principalmente, sua filha. Se você achou um dos melhores filmes que já viu, entendo. Se você não gostou, te acho burro e um ignorante que provavelmente se acha intelectualmente superior aos outros por sua opinião, mas compreendo. No final, é um filme muito legal de assistir e que eu veria várias vezes fácil.

Nota - 8,5/10

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