Crítica - The Flash (2023)

Um entretenimento incrível, mas que pode ser atrapalhado pela expectativa.

🚨 Texto com spoilers 🚨

Demorou, mas chegou, depois de anos de espera, finalmente está entre nós o filme do Flash. Anunciado há muitos anos, inicialmente seria lançado em abril de 2018, mas naquele tempo sequer havia um diretor no projeto, só depois de bastante esse longa veria a luz do dia. É inacreditável quanto tempo demorou para um filme do Flash, já que suas histórias vem já de muitas e muitas décadas, o manto do personagem já passou por Jay Garrick na Era de Ouro, pelo Barry Allen que é o principal, pelo Wally West que ficou muito tempo e é o do desenho "Liga da Justiça", pelo Bart Allen que é o neto do Barry e muitos outros. Já tivemos adaptações na TV, a famosíssima dos anos 90, que popularizou o herói no Brasil por ter passado na Globo, e a recente "The Flash", de 2014, que terminou há algumas semanas, e, gostando ou não, é a grande responsável pela reputação que o herói tem hoje em dia, apesar de uma queda de qualidade brusca que veio há muitas temporadas e fez com que vários fãs (incluindo eu) deixassem o programa de lado. Depois de tanto tempo, tantos problemas de produção, mil trocas de diretor, o ator principal tomando o código penal como uma lista de deveres, pandemia atrapalhando as gravações, nova gestão na DC que faz com que o filme precise ser alterado, era difícil esperar algo bom vindo por aí, mas, apesar de uma certa divisão, eu gostei demais e saí extremamente satisfeito da sala.

Baseado no grande e épico arco dos quadrinhos "Ponto de Ignição", ou popularmente conhecido como "Flashpoint", vemos Barry Allen (Ezra Miller) voltando no tempo para impedir o assassinato de sua mãe, mas nisso ele é levado para uma linha do tempo onde ele se encontra com uma versão mais nova de si mesmo e logo depois descobre que tudo mudou: não tem meta-humanos, não tem Superman, não tem Mulher Maravilha, não hão super-heróis, com exceção de um: o Batman (Michael Keaton), mas que não é o mesmo da realidade da qual nosso protagonista veio. Ele acaba retornando para o dia que o General Zod (Michael Shannon) chega à Terra em "Homem de Aço" (2013), e, sem Superman, ele decide procurá-lo, mas descobre um kryptoniano capturado pelo governo russo que não é Kal-El, mas sim a prima dele, Kara (Sasha Calle), que o ajuda a deter o general. É uma história complexa, é um dos grandes arcos das HQs, um dos melhores e com certeza um dos mais famosos e amados, que muda praticamente todos os personagens e mantém os acontecimentos, alterando a presença de um Batman Thomas Wayne para o retorno triunfal de Michael Keaton como o morcegão, assim como a troca do Superman magrelo pela Supergirl, do exército atlante pelos sobreviventes de Krypton e do Flash Reverso pelo Dark Flash. É realmente uma adaptação que busca mais em ser boa por si do que se focar em ser fiel ao material original, o que na minha visão é uma decisão corajosa e que dá muito certo.

Na direção o comando é de Andy Muschietti, diretor de filmes de terror, inclusive da obra de maior bilheteria de todos os tempos no gênero, "It - A Coisa" (2017), que aqui não usa nada de sua experiência e tenta prezar por novos ares, buscando um blockbuster de ação com um equilíbrio entre o drama e a comédia, e esse é um dos grandes acertos, pois ele faz um longa que é tenso, dramático, engraçado, empolgante e divertido na mesma medida, é um filme que é algo que o cinema necessita sempre, aquele entretenimento gostoso de assistir, que você sequer sente o tempo passar, pois sua imersão naquilo que está acontecendo é tão grande que nem quando há uma clara decaída atrapalha, pois o momento seguinte já supre essas deficiências pela sua absurda qualidade dramática. O principal acerto de Muschietti é fazer algo que é do Flash, o foco é o Barry Allen e ninguém tira seu protagonismo, nem a enorme quantidade de cameos faz com que seja apagado, o que era o que eu mais temia, já que o marketing visava isso e as polêmicas em torno do ator pudessem prejudicar o longa de alguma forma - apesar de não ter nenhum fundamento além da minha cabeça, pois os outros filmes de herói recentes com temática semelhante, no caso "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" (2021), e os dois Aranhaverso, tenham várias participações especiais, mas os protagonistas continuem sendo quem deveriam ser.

O drama é excelente, a ação é braba, mas a comédia é bem divisível. Isso porque o humor é muito maior do que o trailer apresenta e para alguns ele pode soar meio bobo, para mim funciona pois essa bobagem vem justamente do Barry jovem, que é um adolescente em transição para a fase adulta que é completamente estúpido e fascinado com tudo, nisso tendo um humor meio infantil, mas que é justificado pelo próprio filme como parte do desenvolvimento do Barry do presente, e também pelo fato dele ter tido uma mãe a vida toda, pais à sua disposição quando ele quisesse, nisso se tornando um pouquinho mimado e dependente, deixando ele daquela forma boba e cheia de criancice. Um ponto alto é o drama, que constrói rapidamente (sem trocadilho) a relação do protagonista com seus pais, sua falecida mãe e seu detento pai, fazendo com que víssemos como ele era apenas um garoto comum que teve sua vida arrancada por um acontecimento dúbio (que quem conhece sabe o que aconteceu). Com isso, há o contraste entre os dois Barrys, colocando um para enfrentar o outro indiretamente, com um lidando com um passado imaturo e mimado e o do passado conflitando com um futuro traumatizado e problemático. Sem contar que esse Barry é, oficializado pelo Zack Snyder, autista e hiperativo, então seus traumas e atitudes teriam um peso a mais com essas condições.

Uma coisa que me surpreendeu e que eu não gostaria de elogiar, mas tenho, já que é o grande destaque, é a performance do Ezra Miller como Barry, tanto o do passado quanto o do presente. No do "nosso mundo", por assim dizer, ele faz esse cara que é traumatizado, meio parado, é nervoso, tímido, ansioso, e como isso é originado através de seus traumas e a forma como ele conflita isso se relacionando com sua variante. No outro Barry ele faz uma criançona, basicamente, ele é como eu descrevi no parágrafo anterior, infantil, mimado e inocente justamente por ter tido o que o outro não teve, esse contraste é muito bem apresentado por Ezra, pois ele dá características únicas a cada um deles, fazendo com que em praticamente toda a duração nós crermos que são duas pessoas diferentes ali, o cara consegue ir bem interagindo com ele mesmo, ter química com um doppelganger de CGI com o rosto dele e isso é impressionante. Ele vai bem no drama, na comédia e entrega uma das atuações mais versáteis dos filmes da DC, ele manda muito bem e o filme não merece sofrer por conta dele e de seus crimes, ele merecia cadeia, o filme merece sucesso.

No caso dos outros personagens, temos dois com um grande destaque: o Batman de 1989 e a Supergirl. O Batman de Michael Keaton, nossa, é bom demais ver ele voltando, num estilo que meio que mostra o que houve com ele após os dois clássicos dirigidos por Tim Burton, mostra que o objetivo dele foi concluído, agora Gotham é uma das cidades mais seguras do mundo e ele não tem muito desenvolvimento, pois não precisa, já que o desenvolvimento dele já foi visto em dois filmes de trinta anos atrás e aqui é só um complemento, uma participação que encerra sua história. Ele tem uma ligação muito interessante com o Barry do presente, pois os dois perderam a mãe e eles se entendem nisso. Há também uma boa relação do protagonista com o Bat-Affleck (Ben Affleck), que aparece pouco, mas tem bons diálogos, uma excelente cena de ação no início e uma participação que faz sentido para o desenvolvimento da trama e do personagem principal. Já a Supergirl é subaproveitada, na minha visão, pois eu adoro o visual dela, o uniforme é incrível, mas ela tem um desenvolvimento raso, uma motivação piegas e que não é carismática propositalmente para tentar criar uma sensação de bad-ass, que funciona parcialmente, só que sua falta de profundidade atrapalha. Eu gosto dela, a Sasha Calle mandou bem, mas poderia ter sido melhor.

Michael Keaton e Ben Affleck no entanto não são as únicas participações especiais do longa, já que temos muitos cameos, aparições que agradam o conhecedor mais assíduo da editora, e olha, é cada uma bem legal. Temos a Gal Gadot como Mulher Maravilha no início, que tem uma cena curta, mas que gera a piada que eu mais ri no filme (Flash virgem kkkkkkkk). Mas aí, lá no terceiro ato, tem participações que mostram colisões de mundo, vira uma coisa louca que tem vários Supermans, tem a Supergirl daquele filme antigo bizarro interpretada pela Helen Slater, tem o Batman do Adam West, o Jay Garrick da série do Flash (no caso o falso que vira o Zoom depois, interpretado pelo Teddy Sears), e desses Supermans temos o Christopher Reeve reconstruído digitalmente e o Nicolas Cage finalmente sendo o Superman mostrando uma cena do roteiro vazado de seu filme cancelado. São participações legais? Demais. São relevantes para a história? Não, e o filme é consciente disso, deixando claro que são apenas easter eggs e não tentando se vender por isso, são apenas detalhes legais de reparar. Ainda tem o Jason Momoa como Aquaman no pós-créditos bebasso (cena bem engraçada, é inútil, apesar de originalmente ser maior e aí teria utilidade no que foi cortado segundo vazamentos) e tem um, que eu achei maravilhoso, o pessoal que tava na sessão comigo adorou, que é o George Clooney aparecendo como Bruce Wayne no final. É piada, é algo realmente engraçado, uma baita referência que dá uma vontade de rir e uma nostalgia estranha com os mixed feelings de "Batman & Robin" (1997) ser uma porcaria, mas extremamente engraçado por isso, e é o George Clooney, eu adoro ele, então ver ele aqui aparecendo como Bruce Wayne foi muito bacana na minha visão (apesar de que parecia que eles queriam colocar o Christian Bale e ele não aceitou, é só uma impressão pessoal mesmo).

Um dos problemas do filme, o principal na realidade, é o terceiro ato, cujo temos a revelação que o grande vilão do filme é o próprio Barry, é o Dark Flash, uma versão do Flash do passado que endoidou e ficou anos e anos tentando voltar no tempo para salvar o Bat-Keaton e a Supergirl, e que é um vilão que faz sentido visto o que eu já falei da criação do Barry alternativo que é diferente do principal na qual acaba sendo coerente o porquê dele ter ficado daquele jeito. O problema é que, além de ser genérico, é feito de uma maneira acelerada (com perdão do trocadilho), na qual atrapalha e diminui a ameaça, sendo resolvida de maneira muito rápida (novamente, desculpa pela trocadilho) e fica esquisito de verdade. Falando em esquisito, tem um CGI, que eu gosto, tem algumas vezes que eu acho que não é ruim, mas é propositalmente de um jeito mais caricato para causar uma sensação de falsa realidade (inclusive nos cameos), aí eu acho que é de propósito e funciona, outro que eu gosto é o inicial do Flash correndo e os próprios da batalha final, mas tem uns bizarros, como os dois Barrys juntos, aí dá uma vacilada pois dá para perceber que um dos dois são bonecões computadorizados. Não me atrapalhou, sinceramente, mas não é de todo bom. 

Apesar de problemas que podem atrapalhar, sejam eles do filme ou do marketing, "The Flash" funcionou demais para mim. Não é um dos melhores filmes de super-herói de todos os tempos como estavam tentando emplacar, mas é um dos mais divertidos, pois é engraçado, é empolgante e comovente, que eu, como fã, saí muito feliz do cinema, saí sorrindo e feliz da sessão e é isso que importa. Apesar de problemas narrativos e técnicos, é um filme tão gostoso de assistir, com uma história tão redondinha que é supimpa, com atuações incríveis de Michael Keaton e, principalmente, de Ezra Miller. Tem gente dizendo que é um filme desrespeitoso, que é ridículo, mas na moral, um baita de um exagero, é um filme bem bacana que dá a esse DCEU pelo menos um longa bacana antes dele chegar a um final anticlimático e abrupto. É muito legal, vão assistir e se divirtam.

Nota - 8,0/10

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