Crítica - Missão: Impossível 3 (Mission: Impossible III, 2006)
Uma maior profundidade na franquia.
O primeiro "Missão: Impossível" (1996) é um clássico, isso é indiscutível, é icônico e extremamente marcante, entretanto a continuação "Missão: Impossível 2" (2000) não obteve o mesmo sucesso, apesar de sim, ter muita gente que gosta, Hollywood não gostou, o que quase resultou no fim da franquia e uma desconfiança gigantesca em dar sequência às peripécias do Tom Cruise. No entanto, em 2006, um carinha em ascensão na televisão com uma série pequena, que você não deve conhecer, chamada "Lost", vem para dirigir o terceiro capítulo da franquia (que contém uma história de bastidores bem interessante aliás, envolvendo até o grande David Fincher), o nome deste homem é: J. J. Abrams. Hoje em dia ele conseguiu a façanha de arruinar outra franquia amada de maneira tão inacreditável que todo mundo odeia o cara, mas ele já foi adorado um dia. Não sei se dá nem para dizer se J. J. dirigiu ou não, já que hão dezessete créditos de diretores adicionais, mas, o que importa, é que salvou a franquia, deu um excelente resultado de bilheteria e possibilitou o que veio à frente, abriu o caminho para o auge da franquia que vem a partir do quarto filme, nisso até quem não gosta desse aqui há de que ser grato.
Anos depois dos acontecimentos dos últimos capítulos, vemos Ethan Hunt (Tom Cruise) conciliando sua vida casual com sua vida de agente da IMF, tendo uma noiva chamada Julia (Michelle Monaghan) e vivendo feliz. Entretanto, uma de suas pupilas na agência, Lindsey (Keri Russell), é sequestrada pelo traficante de armas Owen Davian (Philip Seymour Hoffman), que coloca um chip em sua cabeça e a mata, fazendo com que Hunt tenha que voltar à ativa e impedir o antagonista de achar o Pé de Coelho, um artefato misterioso encontrado no Vaticano. Aqui a franquia volta ao que funciona no original, que é a ação gerada pela espionagem (e não ao contrário, que é meu maior problema com o filme anterior), contudo, sinto que a inexperiência de Abrams atrapalha em alguns momentos, deixando genérico em vários momentos e criando uma certa barriguinha ali no meio, o que dá uma sensação de "é, poderia ter sido melhor". No mais, J.J. consegue trazer bem esse lado mais humano do protagonista, o que deixa ele automaticamente com uma maior facilidade de criar um laço, uma identificação, pois é a primeira vez que vemos um lado realmente mais pessoal nele, fazendo nós espectadores perceber que ele é uma pessoa normal e não "apenas" um agente secreto mega incrível que é um mestre do disfarce e que milagrosamente sabe de tudo com ajuda do roteiro.
Dos filmes da franquia que prestam (que são todos menos o segundo), considero esse o com a história mais simples, o que não é ruim, mas isso vem pelo fato de ter uma falta de aprofundamento em algumas questões e pela utilização do macguffin em seu significado mais clássico. A única questão que se aprofunda é no relacionamento amoroso do personagem principal, de resto faltam coisas para que nos importemos com o que acontece, tem um plot twist no meio que é chocante, mas depois de pensar um pouco, não tem um impacto tão grande, apesar de haver um momento verdadeiramente mindblowing, acaba que temos uma reviravolta vazia na qual Ethan escapa rapidamente e dá um atraso na história, que na minha opinião, é desnecessário, e depois tem outro twist envolvendo praticamente o mesmo personagem depois e é muito melhor, mas menos impactante por conta desse anterior. J. J. na direção também vacila em alguns pontos, as vezes tendo decisões criativas que fazem as cenas de ação parecerem mais momentos de séries daquela época do que de um blockbuster, o que é justificável pela sua carreira até o ponto, mas demonstra uma certa inconsistência, tanto na parte dramática quanto na de ação. Mesmo com essa falta de experiência, ele sabe criar tensão, ele constrói muito bem as cenas de espionagem e sabe como deixar os perigos que cercam Hunt e os mocinhos ao longo da trama críveis, aumentando a imersão do espectador e meio que apagando parcialmente esses problemas.
O desenvolvimento pessoal de Hunt acaba sendo muito bom, é extremamente bem feito a forma na qual ele é trabalhado. Há um aprofundamento no fato de que Hunt quer ser alguém normal, um homem simples com uma casa pacata e uma bela esposa, mas de alguma forma mostra como que ele sempre vai voltar para a IMF, sempre vai ser um agente, e nisso prejudicar quem ele ama pondo em perigo é o que ele sempre quis ter, mas quando ele percebe que ela está em perigo por conta dele, do que ele faz, é algo assustador que faz com que você se identifique mais com ele, . Ele nitidamente ama sua mulher, . O Tom Cruise entrega uma boa atuação, meio automática em algumas partes, mas quando precisa ele entrega, dando um tom dramático preciso, um carisma inigualável e uma credibilidade inquestionável, ele sabe como fazer um show, como dar espetáculo em blockbuster, não à toa é o ator que mais chama pessoas aos cinemas. A cena que o vilão (supostamente) mata sua esposa, Cruise se destaca por conseguir passar o terror e a perda do personagem, que ali vê sua esperança, seu sonho e sua vida sendo tiradas dele sem mais nem menos, é temporário pois logo depois vem um plot twist e você descobre que era pegadinha do mario games. A química dele com a Michelle Monaghan também é muito boa, eu comprei de cara eles como um casal apaixonado, o olhar de ambos reflete algum sentimento ali.
No mais, novamente ele tem uma equipe, mas sinceramente a mais esquecível, pois temos o Declan (Jonathan Rhys Meyers), que é um personagem dado a esse ator que era uma espécie de modinha na época pelo telefilme "Elvis: O Começo de Uma Lenda" (2005) e encaixaram ele no filme como um agente que é só mais um, assim como a Zhen (Maggie Q), que é um pouco mais carismática, mas que também não é muito memorável, é uma tentativa de uma femme fatale que não emplacou muito, pelo menos para mim. Da equipe, o único legal mesmo é o Luther (Ving Rhames), mas é mais porque você já sabe quem aquele cara é dos outros filmes e ele é muito constante no papel, sempre sendo irônico e cativante. Outros coadjuvantes incluem o Laurence Fishburne como o diretor atual do IMF, que é colocado para fazer expressões de chefe irritado com o protagonista e no final admira ele pelo o que ele fez na trama, um baita de um clichê. O Billy Crudup é muito bom, entrega uma atuação fria, pois ele começa como um quase melhor amigo de Hunt e depois consegue transpassar a reviravolta de seu personagem muito bem, apesar dele se repetir, mas ele traz uma calma tão incomodativa que é difícil de ver. Tem também o Benji (Simon Pegg), que tem duas cenas, mas ele as rouba totalmente com o carisma de Pegg, ele retorna depois em todas as sequências, está até hoje na franquia, deu certo demais.
Mas o grande destaque é o vilão, o Owen Davian, que é um exemplo de vilão bom na minha opinião, pois ele aparece bem pouco, mas ele consegue tirar calafrios do protagonista. O saudoso Philip Seymour Hoffman era um ator extremamente carismático, versátil, ele era legal mesmo, mas aqui ele faz um cara imensamente odiável, ele é o cúmulo da maldade, ele tem uma atuação fria que põe uma credibilidade no personagem, em seus objetivos, é audacioso, é verdadeiramente cínico, que busca pelos seus objetivos sem nem ver a quem. Ele quer o tal do pé de coelho acima de tudo, ele quer o máximo de poder e controle que ele pode ter. Hoffman entrega uma performance extremamente maluca, pois ele tem a calma, uma tranquilidade, tem uma lábia e uma aura impediosa, que atormenta o personagem principal durante toda a exibição, desde matar uma de suas pupilas que ele tinha como uma irmã mais nova, até sequestrar sua esposa, ele é verdadeiramente insano e maluco. Digo que, até hoje, é o melhor vilão da franquia, é o que melhor encaixa com essa proposta de espionagem.
Como dá para ver, "Missão: Impossível 3" vive entre erros e acertos, pois tem ótimos pontos, como o desenvolvimento de Hunt, a relação dele com a sua mulher, a tensão, as cenas de espionagem, a ação e um antagonista espetacular e marcante dentro da série. Mas, também sofre um pouco com a inexperiência do diretor e erros que deixam o filme com uma gordura, criando uma parte meio chata e desnecessária do meio para o final, além de dar uma equipe de coadjuvantes fútil e esquecível ao Hunt pelo segundo longa consecutivo. No mais, é um bom filme, ótimo entretenimento, legal de assistir pela ação e tudo mais. Tem gente que não gosta, eu entendo (o que eu não entendo é falar mal desse e gostar daquela porcaria que é o segundo), mas eu gosto, acho bacana, não é um que eu veria toda vez que eu visse passando, mas tem seus méritos, o principal é levar até a próxima fase da franquia instaurada em quarto filme que eleva o nível.
Nota - 7,0/10