Crítica - Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023)

O verdadeiro multiverso da loucura.

Já teve a crítica de "Homem-Aranha no Aranhaverso" (2018) por aqui, vocês sabem que eu adoro, que é um marco inquestionável na história da animação ao assumir o lado fantasioso e irrealista que a técnica possibilita. Depois de tanto sucesso em bilheteria, crítica, público e premiações, era certa sua sequência, que foi anunciada pouco tempo depois de sua estreia, e que vem com algo que pode ser um impulso ou um problema: o tal do hype. Sempre tem aquele papinho de: "ain, tem que controlar o hype. Ain, tem que controlar as expectativas", mas isso é a maior besteira, estamos falando da continuação de uma das melhores e maiores animações da história do cinema e você quer dizer que não pode ter expectativa? É óbvio que eu tive, e talvez isso tenha sido um freio, pois eu adorei o filme, de verdade, mas fiquei com uma impressão diferente do final do primeiro, enquanto o anterior acabava na euforia e tranquilidade com aquele ciclo fechado, esse acaba do nada durante a preparação para o clímax. Eu entendo que é a parte um, foi vendido assim por muito tempo, mas o jeito que acabou me deu uma impressão anticlimática.

Entretanto, nós sabemos que o que importa nunca é o final, mas sim os amigos que fazemos pelo caminho, e pode parecer que eu estou de sacanagem, mas essa é a verdadeira impressão que dá quando você acompanha o filme, pois a proximidade com aquela galera ali, pelo menos os principais, já era grande e fica ainda maior, com uma abordagem incrível poucas vezes vista em filmes de super-herói, acho que é o primeiro lugar nesse quesito dentre os longas baseados em quadrinhos. Aqui, vemos o que aconteceu com Miles Morales (Shameik Moore) um ano depois dos acontecimentos do primeiro, mostrando como ele está se saindo na escola, a relação com os pais e o receio em contar para eles que ele é o Homem-Aranha pela possível reação. Também vemos Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) em sua terra lidando com a solidão e a perseguição de seu próprio pai à Mulher-Aranha sem ter o conhecimento de quem é. Aqui, vemos que existe uma grande força-tarefa de Homens-Aranhas de todo o Multiverso que são liderados ponr Miguel O'Hara, o Homem-Aranha 2099 (Oscar Isaac), cujo lutam para proteger a ordem e o cânone no Multiverso, essas que foram atrapalhadas por Miles quando ele se tornou o Homem-Aranha.

Diferente do primeiro que mantinha uma comédia essencialmente presente, este é muito mais dramático em todas as questões, o que acabam gerando cenas espetaculares que dão um banho em questão de diálogo, de desenvolvimento de personagem, até técnico e metafórico. O arco de Miles com medo da rejeição dos pais é muito bem abordado, ele tem medo da reação, pela preocupação deles, a superproteção, ou até mesmo a proibição dele ser o herói. Isso é mostrado através de cenas e conversações em que vemos esse sentimento reprimido demonstrado, o que é impressionante, pois você sente os sentimentos de um personagem animado só através de expressões corporais e faciais, é incrível a técnica e a direção nesses casos. Miles tem uma aura impressionante, verdadeiramente inspiradora, cujo vai contra as regras para o que ele acha, ou melhor, o que ele sabe que é o caminho correto a se tomar, é um personagem sensacional que vai crescendo a cada segundo, tornando-se cada vez mais legal, com uma facilidade de aproximação e identificação, ele é um dos melhores protaganistas de franquia de heróis até hoje, já era incrível e aqui cresce ainda mais, deixando essa sensação.

A Gwen-Aranha também tem um desenvolvimento incrível envolvendo sua relação com o pai e, principalmente, os traumas que ela vivenciou, as experiências que a tornaram a Mulher-Aranha. É de uma maturidade e de uma maestria gigantesca, já começar maturando a personagem até que chegue a um ponto em que compremos mais ainda sua história, ela tem uma raiva interior que a transforma, uma motivação que é mais que um simples drama adolescente, é algo extremamente pessoal com qual qualquer pessoa consegue se identificar, é muito mais profundo que uma simples perda ou rejeição. Inclusive, na minha visão, é tudo bem metafórico, com o arco de Miles sendo uma metáfora para a comunidade LGBTQIA+ com medo de se assumir por conta da rejeição, e a de Gwen representa a ansiedade e a depressão por conta dos traumas que vivenciou e o medo interno que ela vive, pode parecer viajado, mas é uma correlação que eu fiz e não tenho certeza se faz muito sentido. Outros Aranhas incluem o nosso amado Peter B. Parker (Jake Johnson), dessa vez deixado bem mais de lado, mas com um arco coerente com sua apresentação, que demonstra como a sua relação com o Miles é especial e o inspirou a voltar a ser aquele Peter que nos acostumamos a ver, é muito legal esse retorno.

Entre os novos cabeças de teias, temos a Mulher-Aranha Jessica Drew (Issa Rae) em uma versão descolada, grávida e que é extremamente cativante e bad-ass em pouco tempo de tela, você compra ela logo de cara pois ela tem essa facilidade de conquistar, como mostrada em sua primeira cena, que após três linhas de diálogo, Gwen vira e fala: "por favor me adota". Outro que é muito legal é o Spider-Punk (Daniel Kaluuya), um miranha baseado nas bandas de punk rock britânico dos anos 70 com aquela vibe anarquista, justiceiro social, que só quer o melhor para sociedade e vai contra tudo e todos, odeia rótulos e é independente, esse personagem é bastante legal, até por ele querer ser punk ao máximo e nisso trazendo uma comédia muito certeira. Mas o principal novo cabeça de teia é Miguel O'Hara, que já havia aparecido anteriormente na cena pós-créditos do anterior, e a participação dele é muito legal, principalmente por ele ser o teioso mais sério e dramático, com um background rápido, mas eficiente em passar a mensagem e justificar o porquê ele ser desse jeito. Apesar de agir como antagonista por estar contra nosso protagonista, ele tem a razão em pensar naquela forma, o que não o torna um vilão propriamente dito, tecnicamente é ele que está correto na história, mas sua maneira radical de ser faz com que esse antagonismo seja crível.

Mas a coisa que mais me surpreendeu é a proporção, é gigantesco dentro do universo do Homem-Aranha, envolve tudo, que vai desde o início das HQs até o live action. Tem vários segmentos, que vão da animação quadrinesca em 3D do universo do Miles, o estilo aquarela colorido da Terra da Gwen, um feito de Lego e por aí vai. No entanto, o mais impressionante não são os cenários, mas sim os personagens, pois, facilmente, tem mais de duzentos Homens-Aranhas aparecendo e cada um com um estilo animado diferente, com um framerate diverso que vão se mudando entre os personagens, que depende do que aquela variante está passando. O próprio Morales está em 12fps enquanto todo o cenário está no padrão de 24fps, simbolizando que o protagonista está amadurecendo ainda, e tem outros que mudam, como o Spider-Punk, que está em um fps bem inferior ao de Miles para tentar representar a rebeldia natural do punk, dentre os outros tem até uma variante que tem 1fps para simbolizar uma arte de gibi. Nessa mistura de artes, surge a animação mais bonita da história do cinema, indubitavelmente, é algo tão bonito que surge um wallpaper a cada dois minutos, é tudo muito lindo, especialmente na paleta de cores que consegue nos situar aonde quiser, há um visual em que é belo, mas que condiz com o momento da trama, tem uma cena da Gwen mais para o final que é brilhante neste quesito.

Também há uma trilha sonora espetacular composta pelo Daniel Pemberton, que traz nuances originais para a trama, em especial nas cenas de ação, que capta essa vibe épica e grandiosa que o longa quer passar, com a música estralando no fundo e você ficando cada vez mais atento ali, a imersão se dá por tudo citado acima e por mais esse cuidado na direção, a trilha, e tudo mais. Entretanto, o que eu vou reclamar agora não é um erro, é só algo que eu senti falta, que é de uma canção original marcante, igual no primeiro que tinha "Sunflower", aqui faltou uma dessas, não é nada pelo qual eu vou tirar nota, é mais um adendo que eu fiquei esperando ali e não teve nada mesmo, mas esse problema é meu e não da obra. Mas um problema que eu acho do filme mesmo é o final, que eu reclamei lá no primeiro parágrafo que atrapalhou um pouco a minha experiência, pois termina meio abrupto, já que há uma grande preparação para uma batalha épica no terceiro ato e simplesmente termina em um cliffhanger no qual foi cortado só para gerar uma ansiedade quase programada, isso aí eu não curti, pois o ciclo poderia se encerrar aqui mesmo, mas parece que vão estender e fazer da grande luta final ser a inicial no próximo, isso aí eu achei sacanagem, mas eu entendo.

Espetacular (sem trocadilho), "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" é uma aula de como fazer um filme de super-herói, é cinema em um estado puríssimo. Quebra com várias convenções de que os desenhos tem que ser engraçadinhos, que as animações são só para crianças e não precisa passar disso, que super-herói é só para se divertir e não precisa de profundidade, esse filme pega todas essas falácias e joga no lixo, provando que sim, é possível quebrar o cânone e dar certo. Uma aula de desenvolvimento de personagem, de técnica, de arte visual, de framerate, de montagem, trilha sonora, em tudo. Já pode colocar aí ó, vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2024, porque olha, vai ser difícil bater o que foi alcançando aqui. Apesar de ter um final que eu não gosto, eu entendo que seja a parte um de uma coisa grandiosa e quero ver muito mais, eu veria essa história do Miles por um dia inteiro facilmente sem parar, é algo sensacional o que foi alcançado, é um padrão de qualidade estabelecido que pode gerar uma das melhores trilogias de todos os tempos se o próximo manter a maestria (e provavelmente vai).

Nota - 9,0/10

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