Crítica - Gran Turismo - De Jogador a Corredor (Gran Turismo, 2023)

Dêem adeus a era dos super-heróis no cinema, e olá à era dos filmes de games.

Depois de "Uncharted - Fora do Mapa" (2022), que teve um bom resultado de bilheteria, e "The Last of Us" (2023-), a série que estourou a bolha e fez um sucesso estrondoso que surpreendeu até o mais otimista torcedor, a Sony/PlayStation nos traz uma nova adaptação de seus jogos. "Gran Turismo" é um jogo de corrida de carros criado pelo designer japonês Kazunori Yamauchi, cujo o objetivo inicial era para ser um simulador completo de piloto, onde você precisa tirar licença para dirigir e tem acesso a automóveis existentes na vida real. É um jogo bem famoso, com dezenas de milhões de assíduos jogadores e que já foi até condecorado pela FIA pela sua experiência realista. No entanto, é jogo de carro, não tem uma história definida e nem muito bem desenvolvida, nisso que surgiu a grande questão: "como trazer uma história disso para o cinema?". E aí veio a revelação de que seria um filme sobre uma história real que aconteceu por conta do game, sobre Jann Mardenborough, um garoto que era bom no GT e que foi selecionado pela Sony e pela Nissan para correr nas pistas da vida real, o que gera um potencial bastante interessante e me causou uma curiosidade quando eu soube.

Jann Mardenborough (Archie Madekwe) é um jovem britânico que é viciado em "Gran Turismo" e tem o sonho de trabalhar com o automobilismo, porém, seu pai, Steve (Djimon Hounson), é contra e quer que ele não desperdice a vida atrás da tela do videogame. Entretanto, o jogo muda quando um executivo de marketing chamado Danny Moore (Orlando Bloom) apresenta uma ideia para selecionar os melhores jogadores do game e transformá-los em pilotos reais. Com esse objetivo, a PlayStation e a Nissan acabam criando a Academia GT, onde Jann é um dos selecionados para participar e acaba vencendo. Tendo que lidar com Jack Salter (David Harbour), um antigo piloto complicado que se tornou engenheiro e que vira seu mentor, o rapaz precisa se provar nas pistas e realizar seus sonhos de juventude. A cadeira de direção é ocupada por Neill Blomkamp, que para mim, dá para ser considerado como uma eterna promessa do cinema, o Bojan dos filmes, pois ele fez "Distrito 9" (2009), que foi um sucesso em todos os sentidos, mas posteriormente nunca atingiu o mesmo nível novamente, fez "Elysium" (2013), que não teve uma recepção tão acalorada quanto, mas ainda sim as pessoas gostaram, aí veio "Chappie" (2015) e "Demonic" (2021), dois fracassos estrondosos de crítica e bilheteria (esse último sequer chegou a U$500 mil). Pelo histórico de filmes de games (que, apesar de estar dando a volta por cima, o saldo ainda é negativo) e pelo histórico recente do diretor, as desconfianças eram óbvias, o trailer entregando metade da trama também não colaborou com isso. Entretanto, surpreendentemente, acabou funcionando, não é nada de espetacular, é muito clichê, mas é bem legal de assistir.

Blomkamp tenta misturar o estilo de longas automobilísticos, como "Rush - No Limite da Emoção" (2013) e "Ford vs Ferrari" (2019), com a estilização do jogo, usando elementos gráficos que constituem uma identidade visual que faz com que o filme relembre suas origens nos consoles. Há uma cena no começo onde vemos Jann atrás de um volante pela primeira vez e o diretor estiliza como se fosse o tutorial do jogo, criando algo bem legal visualmente, e depois quando você vai vendo ao longo do filme, nas corridas, indo ao nível profissional, acaba sumindo esse visual dos games, mas ainda tem várias alusões, como mostrar a colocação do corredor. O diretor consegue criar uma experiência imersiva, falo mais sobre a trama no próximo parágrafo, mas o que ele consegue fazer nas cenas do esporte é algo maravilhoso, pois nas corridas você fica vidrado na tela, ele vai colocando algumas situações que implicam com o objetivo do protagonista e que acabam aumentando a imersão, pois a chance de dar errado, ainda mais visto situações apresentadas anteriormente, é grande, e isso cria uma experiência bem bacana.

Tecnicamente é impressionante, já falei da montagem, que emula bem a origem nos jogos, mas também gostaria de dar um destaque para a fotografia, porque filmar obras sobre corridas de carro e ficar pelo menos coerente é bem complicado, e aqui o diretor consegue com vigor, pois uma coisa que eu creio que deve ser consenso aqui é a filmagem do automobilismo, eu que não acompanho muito o esporte fiquei vidrado na tela assim como nos dois filmes já citados no parágrafo anterior, Rush e Ford vs Ferrari (em uma escala menor, já que aqueles não sofrem com problemas que esse tem). Também tem a questão sonora, que é de uma ajuda imensa para essa experiência imersiva nas cenas competitivas, o som do motor chega a vibrar a tela e aquela intensidade toda sendo colocada em nossos ouvidos é algo espetacular, você se sente ali naquele local e a tensão toda aumenta. Teria sido incrível ver no cinema, pois se vendo no computador com um fone de ouvido velho eu tive uma imersão massa, imagina na telona, realmente me arrependi de não ter visto (mas em minha defesa as sessões eram muito tarde aqui no cinema que eu frequento).

Agora, falando sobre história, é clichê, mas não é que é um pouco, é bastante, é inacreditavelmente batido. Vejamos, temos a clássica jornada de um jovem excluído que tem um sonho cujo está longe de acontecer, nisso seu pai tenta dar um choque de realidade nele por se importar com o filho e não querer que ele crie expectativas irrealistas, até que acontece um chamado inesperado, o qual ele aceita, precisa passar por desafios, até cumprir o objetivo inicial e ir se aprimorando até o destino final enquanto ele precisa lidar com um mentor complicado, um cabeludo que lhe introduz ao mundo que lhe aguarda e, principalmente, ter que se provar capaz para o pai. Não é nem um pouco inovador, original, muito menos a abordagem que isso recebe, é totalmente normal, mas tem um detalhe: o diretor faz com que você se importe, já que você vai vendo um desenvolvimento muito bom de tudo isso, por isso que funciona. O principal problema para mim nessa questão de história é o aproveitamento, porque tem duas questões que eu senti que melhorariam a nota caso fossem melhor utilizadas: 1. A dinâmica na academia GT, mostrando mais da relação e dinâmica do protagonista com os outros participantes, pois foi mostrado bem rapidamente; 2. O rival, já que hão duas tentativas de um nêmesis, mas nenhuma é convincente, especialmente o principal, que não tem qualquer motivo crível para o desgosto que ele tem de Jann. Se tudo isso funcionasse, teríamos o "Top Gun: Maverick" dos carros (claro que em devidas proporções, já que, infelizmente, o ator principal desse filme não é o Tom Cruise).

Sobre elenco, aí vem outro pequeno problema, mas que eu sinceramente não tive um incômodo tão grande, que é o protagonista. O Jann Mardenborough é um bom personagem, você acaba gostando dele pela jornada e pelas coisas que você vê ele passando e superando ao longo da obra, mas o ator que o interpreta, Archie Madekwe, infelizmente é bem fraquinho. Ele funciona em vários momentos pois o próprio Jann é um moleque sem carisma, o personagem em si, ele é travadão, envergonhado, antissocial, igual ao intérprete, nisso dá certo, só que quando ele vai tentar ser carismático alguma vez, ou precisa demonstrar que está chateado, fica meio memes, não dá muito certo e você não crê totalmente naquilo (acho que esse filme até vale mais a pena ver dublado, já que uma vez que fui no cinema passou o trailer dublado e o dublador dele combinou mais que o ator no original a julgar por um trailer de dois minutos). Mas, pelo menos temos duas figurinhas carimbadas das telonas que salvam nessa questão. O Orlando Bloom faz um arquétipo de empresário que também não é extremamente original, mas ele cumpre bem o papel, ele é bastante competente e, como sabemos, é dono de um carisma implacável, que acaba conquistando. O grande destaque acaba por ser o David Harbour, que faz também um arquétipo clássico, mas ele entrega bastante no papel, saindo daquele professor cabeça-dura para um mentor incrível que visivelmente se importa com seu pupilo, e no drama ele vai muito bem, tem excelentes cenas, especialmente um monólogo meio motivacional que ele faz nas vésperas do terceiro ato que é realmente impactante e como seus traumas passados criam uma relação com o Mardenborough, funciona realmente bem.

Mesmo sendo um clichezão, "Gran Turismo - De Jogador a Corredor" funciona por ser um clichê bem feito, com um desenvolvimento que faz com que você se importe com a jornada de treinamento e evolução do protagonista, mesmo ele sendo mal atuado em alguns momentos. Um destaque técnico impressionante, montagem espetacular, efeitos bem colocados, fotografia complicada que funciona em combinação com a edição e um trabalho sonoro que traz uma imersão enorme, sem contar a trilha sonora lotada de Black Sabbath, que é uma das minhas bandas favoritas, então ganhou uma moral a mais. David Harbour e Orlando Bloom acabam carregando um jovem inexperiente como protagonista, assim tornando ele quase que o suporte deles quando estão em tela, mas Harbour brilha pelo tom dramático certeiro que ele dá a seu personagem. Mais uma obra relacionada aos games que dá certo, esse ano, na minha visão, é o início da nova era do cinema, que virá para substituir a era dos super-heróis, que será a Era dos Filmes de Games. Colocando no texto não parece que eu ia dar essa nota e sim uma menor, mas para isso eu digo que a experiência vale mais que palavras.

Nota - 7,5/10

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