Crítica - Jogo Justo (Fair Play, 2023)
O suspense erótico que (quase) não tem tesão.
Geralmente quando alguém fala sobre suspense romântico, logo pensamos em filmes em que a fornicação entre dois seres rola solta, até porque o clima de mistério e proibição acaba sendo algo que desperta tesão nas pessoas por algum motivo. Isso foi melhor desenvolvido nos anos 80 e 90 por diretores como Paul Verhoeven ("Instinto Selvagem", 1992) e David Cronenberg ("Crash", 1996), porém, recentemente, acabou sendo um estilo de obra arruinado por duas trilogias péssimas que romantizam coisas terríveis como sadomasoquismo, obsessão, complexo de Édipo, síndrome de Estocolmo, sequestro, possessão e outros, claro que estou me referindo a "50 Tons de Cinza" (2015-2018) e "365 Dias" (2020-2022), que a primeira pelo menos tem uma fotografia bonitinha e boa trilha sonora para salvar (sim, eu vi os três), mas a segunda você nem precisa ter visto para saber que é ruim (igual a mim, eu nunca vi, mas só pelo o que eu já vi dá para ter certeza da bomba). Quando vi outra obra similar saindo da Netflix até pensei que viria mais uma obra para mulheres de quarenta anos melarem a calcinha, mas me surpreendi positivamente com este aqui, pois apesar de se vender como mais uma dessas obras eróticas, acaba se superando e virando verdadeiramente um drama corporativo onde o sexo fica em segundo (e até em terceiro) plano.
Trabalhando no mesmo emprego relacionado a fundos de investimento, Emily (Phoebe Dyvenor) e Luke (Alden Ehrenreich) estão apaixonados e vão se casar, mantendo isso em segredo do escritório todo. No entanto, quando ela tem uma promoção inesperada, o rapaz começa a se sentir ameaçado e então inicia-se uma série de pensamentos na cabeça dele, onde sentimentos como a inveja, a arrogância, o egocentrismo e o inconformismo são postos à prova para mostrar que a guerra interna iniciada dentro do mundo corporativo pode acabar até com os mais amáveis e genuínos sentimentos. A direção é da estreante Chloe Domont, que como disse no parágrafo anterior, usa do sexo apenas como um artifício necessário na trama e quando se é necessitado, utilizando-o desde a maneira romântica até as menos permitidas pela lei (por assim dizer se não é capaz dessa crítica não ir ao ar). Domont em sua estreia sabe que influências utilizar para criar uma espécie de mensagem inversa, nisso ela pega a vibe desses filmes dos anos 90 que eu citei no parágrafo anterior e faz uma mescla com as séries "Mad Men" e "Suits", inclui o tema do machismo corporativo e pronto, temos um filme.
Para mim, o principal problema do longa é a forma como ele é vendido, pois como eu disse no primeiro parágrafo, parece um suspense erótico, mas isso é pincelado apenas no início, na realidade é um drama, que não é absurdamente bom, mas é competente. O principal ponto do longa é a visão do homem quanto a uma mulher em um posto alto em um emprego, que é um machismo corporativo com aquele pensamento clássico com as famosas frases: "só está lá porque é gostosa", "ela deu para alguém para chegar ali" e enfim, esses dizeres que acabam sempre desmerecendo alguma moça em alta posição, que infelizmente é mais comum do que deveria. Aqui é bem desenvolvido o drama entorno desse casal que faz a mesma função, mas só ela é promovida na firma e isso acaba desencadeando a inveja do homem, mostrando seu egoísmo e seu inconformismo com o fato de ter sido superado por sua namorada, vendo sua posição de "alfa" dentro do relacionamento (por assim dizer) se perder e ele não ser o mais importante. Esse foco encima do homem é que dá um diferencial, pois o drama que se constrói é bem interessante, ainda mais vendo pela visão de uma mulher na direção, como essa raiva vai se originando interiormente até partir para uma coringada impressionante.
Esse desenvolvimento entorno do protagonista masculino me interessou genuinamente, já que vemos Luke desde um cara normal, aparentemente um nice guy, que tem um bom emprego e uma namorada bonita, a vida que todo homem deseja. No entanto, quando se sentiu passado para trás, e ainda mais com o peso de ter sido por alguém que ele dizia amar, o rapaz simplesmente virou o Coringa do Joaquin Phoenix, ficou maluco pela sociedade ter escolhido sua namorada ao invés dele. Num relacionamento, uma boa parte dos homens gostam de se sentir em uma posição de superioridade, de dominação, como se fossem o protagonista da relação e a forma tão pesada com que a diretora trabalha isso é chocante, usando esse aval para trabalhar relacionamento tóxico, violação sexual dentro de uma relação e o sentimento de inferioridade. O lado da mulher também não é 100% bom também, pois Emily acaba por ser uma vítima em muitos momentos, mas nela temos a demonstração do poder subindo à cabeça e uma loucura interna, que pode ser tão grande quanto a do noivo, mas ela tem o autocontrole, que se perde quando ela o vê pela última vez na cena final. Para mim, os grandes problemas disso tudo acabam sendo a tensão, que quase não tem, a retratação do drama é muito mais interessante que a do suspense, e a exposição nos diálogos, que parecem querer reforçar a mensagem mais do que precisava, já que tinha ficado nítido.
O que mais se destaca no filme são as grandes performances do casal protagonista. Phoebe Dyvenor é uma revelação, a menina se provou muito mais além do que era esperado. Ela cativa naturalmente, tem um sorriso que conquista o espectador, você consegue se apegar facilmente à personagem e quando você vai vendo ela subindo e ela demonstra uma calma exemplar em sua performance, ela vai se contendo, mas quando ela explode, meu amigo, apesar dos diálogos expositivos, a performance consegue se sobressair, a atuação screamo (focada em gritos) que eu costumo reclamar, transforma-se em funcional e faz com que acreditamos em sua dor pela falta de reconhecimento quanto ao seu mérito. Mas Alden Ehrenreich acaba sendo o grande destaque, até porque o seu personagem recebe mais atenção no desenvolvimento, eu não lembro se destaquei ele na crítica de "Oppenheimer", mas já gostei muito dele lá, e aqui entrega demais no papel protagonista. É sútil em todos os pontos, porque você vai vendo o semblante dele mudando naturalmente, um rosto sorridente e carismático ficando completamente tomado pela inveja e o ciúmes da sua própria noiva, que ele pensava amar tanto, mas que quando vemos, apenas utilizava ela e o fato dela ser bonita como mais um elemento para elevar o seu grandíssimo ego, chegando a níveis absurdos em que o ator faz você crer naquilo em que assiste, vendo essa autodestruição, é impressionante, destaco duas cenas: a do banheiro e a discussão dele com o chefe. Realmente impactante, as aulas que ele teve no set do Han Solo foram eficientes.
No fim, "Jogo Justo" acabou me conquistando, mas no fim, tanto faz como tanto fez. É um filme que se sobressai por suas discussões envolvendo o machismo corporativo, o relacionamento tóxico e o que leva a se tornar e, principalmente, a visão do homem quanto uma mulher em uma alta posição no mundo dos negócios, vendo sentimentos como a inveja, a ganância, o inconformismo, o ciúmes e o ego inflado tomando conta, como se fosse um demérito para o rapaz. Sofre com problemas, não sabe construir um suspense decente, se vende como algo erótico pelo pôster e pela sinopse, mas de sexo tem bem pouco, o que não é um problema, não estamos vendo um pornô, mas não deveria se vender desse jeito se não quisesse essa reclamação, e também a exposição nos diálogos que acaba sendo incomodativa em certo ponto. Só que tem como primor Alden Ehrenreich e Phoebe Dyvenor, que entregam performances de tirar o fôlego, com cenas que ficam na cabeça por um tempo. No geral, não é marcante, mas foi uma obra impactante momentaneamente, achei bem interessante com uma discussão entorno bem interessante e importante de ser falada.
Nota - 7,0/10