Crítica - Retratos Fantasmas (2023)

Um documentário bem humorado e comovente.

Dá para se dizer que nos últimos dez, onze anos, Kléber Mendonça Filho é o diretor de cinema mais bem sucedido do Brasil, tendo sucessos de repercussão a nível nacional e internacional, como os famigerados "O Som ao Redor" (2012), "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (2019), sempre trazendo um toque regional e original para suas obras, tornando-se bem famoso no meio cinéfilo brasileiro. Depois de conseguir sucesso com seus longas ficcionais, Kléber decidiu fazer um documentário explicando sua relação com o cinema, com a arte e com o local e definhando a história dos cinemas de rua da sua cidade natal, Recife. Eu nunca fiz uma crítica de doc por aqui, nem sei como se deve fazer isso, mas sempre há uma primeira vez para tudo, se não me engano também é a primeira vez que analiso um filme nacional, então quebrando dois tabus da página/blog num golpe só, isso é meio poético se parar para pensar. O longa de KMF acabou sendo o selecionado para representar o Brasil na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional, em busca da pré-lista da categoria e também de Melhor Documentário, mas, será que foi merecida a escolha ou foi apenas para suprir os erros passados da Academia Brasileira de ter esnobado duas obras do diretor anteriormente?

Aqui acompanhamos Kléber Mendonça Filho explicando desde os primórdios da sua vida qual a sua relação com a sétima arte, mostrando de onde surgiu sua paixão pelo cinema, sua vontade e vocação para ser cineasta, e, principalmente, retrata os praticamente extintos cinemas de rua,  as mágicas vivências que esses locais tão maravilhosos traziam às pessoas que entravam e se sentiam maravilhados. É um estilo de documentário no qual não estou acostumado, não entendo muito sobre essa arte do doc e, na minha visão de jovem adulto, isso está mais familiarizado para mim como um vlog de YouTube, o que não é um demérito, pois o KMF conduz essa narrativa com uma tranquilidade invejável, ele tem uma narração que é calma, poética porém didática, não te trata como um imbecil inferior cognitivamente e te leva a uma experiência bem bacana, as explicações que ele dá sobre sua vida pessoal e a vivência dele em sua cidade natal são emblemáticas, aparentam ser apenas narrações comuns, mas são narrativas tão bem construídas que você acaba sendo cativado.

O nome do filme ser Retratos Fantasmas é uma escolha de título interessante, no primeiro ato aparenta que seria uma construção entorno de um sobrenatural desnecessário, mas quando você entende, acaba se apegando ainda mais. Você aprende que os verdadeiros retratos fantasmas são os amigos que fazemos pelo camin... Não, pera... Os verdadeiros retratos fantasmas são as recordações, as fotos e vídeos que sobrevivem de uma época que não irão voltar, que é a dos cinemas de rua, cinema de calçada e etc. Hoje a esmagadora maioria das salas de cinema no Brasil é localizada em shoppings, sendo utilizada como uma parte estrategicamente importante do capitalismo do local (geralmente perto da praça de alimentação e da loja de brinquedos) e pensado menos como uma arte sendo exibida ao público (o que também não é uma crítica, pois adoro o cineminha do shopping aqui perto de casa). KMF nos mostra essa época onde os letreiros eram os grandes chamativos, onde os nomes de atores ou diretores se destacavam em grandes locações da cidade, uma época onde o cinema era a atração principal e não uma parte de um rolê. Realmente o espírito e a religiosidade de ir ao cinema que Kléber nos conta está se esvaecendo.

O que eu acho maravilhoso é como é uma obra de fácil identificação, onde você consegue identificar coisas do seu cotidiano mesmo nunca tendo pisado em Pernambuco, há uma flexibilidade bem ampla nesse quesito. As histórias que o Kléber conta, sobre ele, o garoto que criou a paixão pelo cinema e decidiu criar seus próprios filmes dentro do apartamento no qual ele viveu quase a vida toda, sobre a mãe solteira batalhadora, Dona Joseline, que sempre inspirou e ajudou os seus filhos na medida do possível, sobre Seu Alexandre, o dono do grande cinema da cidade, que contava suas histórias sobre sua vida dentro daquele local por várias e várias décadas. Pode não ser você, sua mãe ou o dono do cinema, mas essas são histórias de pessoas que vemos todo dia em nossas pacatas cidades, bairros ou até mesmo lares, todo mundo conhece algum moleque que se inspirou por uma profissão e decidiu seguir seus sonhos por conta própria, da mãe que batalhou para criar seus filhos ou um senhor experiente que amou seu trabalho e se dedicou a ele a vida toda, são vivências que rodeiam as nossas de uma forma incrível, isso eu achei muito legal. Outra cena bacana é a do táxi no final,  onde vemos a troca de vivências sendo criada de maneira espetacular,  o diretor de cinema com o espectador médio.

Como disse, não me sinto capacitado para falar sobre documentários ainda por minha falta de conhecimento quanto ao gênero, mas afirmo que "Retratos Fantasmas" é um filme bem bacana, uma história bem legal onde você vê o amor pela arte sendo mostrado de maneira incondicional e quase religiosa. É uma narrativa bastante interessante, que nos traz a uma experiência bem tranquila e difícil de não curtir (se gosta mesmo da sétima arte). Sobre o Oscar, foi uma boa escolha da Academia Brasileira, mas creio eu que o máximo que consiga seja a pré-lista, o que já vai ser ótimo para nosso cinema, também aposto que seja mais provável que pegue a indicação em Melhor Documentário, a nomeação do Brasil ajuda nesse quesito. No geral, ótimo documentário.

Nota - 8,0/10

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