Crítica - Stranger Things (1ª Temporada, 2016)
A construção de um universo incrível.
Em 2016, na Netflix, surgia uma das séries mais fenomenais da história, no sentido de ser um grande fenômeno mesmo, e é inexplicável o sucesso astronômico que ela teve, pois o elenco era praticamente desconhecido (o único nome mais conhecido era a Winona Ryder, que já tava apagada na indústria há décadas, foi diagnosticada com cleptomania, se manteve afastada, e também tinha o David Harbour, que nunca tinha conseguido um papel um pouco maior em Hollywood do que ser o terceiro cowboy gay em "O Segredo de Brokeback Mountain"), e também é uma história que não é baseada em nada preexistente (bem, não oficialmente), a maioria de seus conceitos não era tão conhecido e isso só me leva a uma resposta: fez sucesso porque é do car4lho! (Com o perdão do palavrão). É uma obra que pega várias referências de várias obras, traz referência de Stephen King com "Conta Comigo", "It - A Coisa", além de outras claras inspirações, e cria um universo próprio, com conceitos instigantes, personagens muito carismáticos, uma trama envolvente e me fez pensar: por que eu demorei tanto tempo para assistir?
A série trabalha a ficção científica de um jeito bastante diferente do convencional, puxando mais ao lado de um terror um pouco mais pé no chão do que num sentido um pouco mais "fantástico", trazendo uma vibe oitentista que é o objetivo, já que grandes sucessos do sci-fi nos anos 80 eram mesclados com o horror (John Carpenter, David Cronenberg e outros). Situar a série nos anos 80 é mais do que uma questão de estética e de referência, o fato de se passar naquela época é 100% da essência do seriado, onde mostra como o mundo soava um pouco mais feliz naquela época, com fliperamas e ataris, D&D no auge, filmes incríveis a cada semana no cinema, era o melhor tempo para ser nerd. Nerds estes que, majoritariamente, são o grande foco da atração: Mike (Finn Wolfhard), Lucas (Caleb McLaughlin), Dustin (Gaten Matarazzo) e Will (Noah Schnapp). A série gira em torno desse grupo de amigos que são um bando de nerdola de filmes, de jogos, e uma boa parte do sucesso da série vem dessa relação entre eles, a interação entre eles é muito boa, a amizade que vemos estabelecida crescendo ao longo dos episódios é muito legal de acompanhar, são personagens muito carismáticos (especialmente o Dustin, que é facilmente top 2 personagens da série) e os atores são muito bons, eles passam muita verdade em suas performances, eles são muito bem coordenados e eles funcionam perfeitamente juntos pois criam um sentimento de identificação muito claro com o espectador. É difícil não se apegar, pois praticamente todos tivemos um grupo de amigos próximos na infância/pré-adolescência, e faz com que todos acabem criando um apreço por eles. As crianças, por uma vivência parecida atualmente, e os adultos pela nostalgia de relembrar uma época mais feliz.
Incluí o Will no bolo do parágrafo passado, mas ele mal aparece ao longo desta temporada, o arco dele está mais relacionado aos seus familiares: sua mãe, Joyce (Winona Ryder) e seu irmão, Jonathan (Charlie Heaton) - que é o GOAT dessa série até agora. Eu gosto de como trabalham esse drama da Joyce como mãe, ela desesperada atrás do Will, ficando enlouquecida, gastando mais do que podia, negando crer provas que seu filho pode ter ido de fato para o ralo, e a Winona Ryder está surtada na atuação, ela manda muito bem, talvez acho que é a melhor atuação dessa primeira parte da série, ela se descabela, fica incrédula, grita, surta, pira, ela é excelente, você sente nela toda a dor que uma mãe pode sentir nessa situação, acaba realmente impactando, pois é muito crível cada sentimento que ela passa. Enquanto o Jonathan, para mim, tem o melhor desenvolvimento de personagem da série nessa temporada. Ele começa como um adolescente meio renegado, que é zoado pelos outros, que é mais recluso, tem problemas com o pai, os problemas que ele enfrenta junto da mãe envolvendo o desaparecimento do Will, e ele termina como uma espécie de herói, quase, que tenta peitar os demogorgons cara a cara. Ele é literalmente eu, ele sempre se culpa, não liga para os outros, pensa sempre na pior possibilidade e a mina que ele gosta não corresponde os sentimentos. A interação dele com a Nancy (Natalia Dyer) é uma das melhores interações da série, inclusive, a maneira na qual essa relação vai sendo construída ao longo dos episódios é um dos grandes destaques, já que são dois personagens ótimos que se complementam muito bem.
Os conceitos criados pelos Irmãos Duffer são muito instigantes, o Mundo Invertido é um conceito excepcional, a forma que eles nos apresentam e vão nos explicando sobre quebras no espaço-tempo, como aquilo funciona, até usando Carl Sagan para tal, é muito doido, e a própria construção visual dessa dimensão sombria, com tons azulados e como você sente a atmosfera tóxica daquele local dependendo da sua imersão dentro da série, como eles vão construindo tudo isso ao longo da temporada para entrarmos de fato lá no último episódio é um espetáculo. Outro conceito que acho ótimo, é como trabalham esses experimentos feitos pelo Dr. Martin Brenner (Matthew Modine), eu gosto desse sentimento dúbio que é criado ao longo da temporada em relação a isso, o mistério que envolve o que realmente eles queriam e que não é revelado até a quarta temporada de fato o que é isso tudo. E não se pode falar dessa primeira temporada sem falar sobre a Eleven (Millie Bobby Brown), que é praticamente a grande heroína da série, e esse mistério todo de quem ela é, o porquê dela ter poderes, é tudo algo que ajuda muito na imersão. Eu gosto da forma como a Millie Bobby Brown atua, porque ela fala pouco, a personagem mal sabe falar na realidade, mas mesmo assim ela passa uma certa superioridade devido aos seus poderes, ela passa um sentimento de que pode te matar a qualquer momento. Ela tem cenas que são grandes demonstrações de poderes que não tem nem em filmes de heróis, ela é muito boa nessa temporada, uma ótima grande parte do todo nesse início.
O Hopper (David Harbour) também é outro personagem incrível. No primeiro episódio parece que ele vai ser o clássico arquétipo do policial rabugento com a vida que já tá cansado (no maior naipe Comissário Gordon dos quadrinhos depois de um tempo), mas ao longo dos episódios você vai vendo que aquele cara ali na verdade é traumatizado, marcado pela perca da pessoa que ele mais amou e como isso o transformou em alguém mais duro que se esconde em uma personalidade casca grossa por fora, quando por dentro ele está em um eterno sofrimento silencioso que só é visto quando a história está na visão dele. Como isso é trabalhado com o passar dos episódios, até chegar no último capítulo onde mostra em flashbacks qual o grande trauma dele e você, que já gosta desse personagem, acaba gostando cada vez mais. O David Harbour é excelente, pois ele começa nessa vibe meio dane-se para tudo, um cara que não tá nem aí, que só liga para café e contemplação, aí dois episódios depois ele já está mais ligado, investigando. A parte da investigação dele é uma das melhores da série, já que mostra ele recuperando um pouco daquilo que ele costumava ser, vai deixando de ser aquele arquétipo do quarentão que não liga para nada, para virar um grande herói da série, basicamente. A atuação do Harbour, especialmente no episódio final, é excelente, já que a gente consegue ver essas diversas facetas do personagem, deixando ele um pouco mais complexo do que parecia no início.
Na primeira temporada de "Stranger Things" temos uma história influenciada por várias coisas, pegando uma inspiração de cá, outra de lá, e acaba que nisso que se torna uma excelente história original, essa junção de vários elementos e várias referências transforma essa série em algo único, por incrível que pareça. É como se eles pegassem essas referências dos anos 80, batessem no liquidificador e saísse a série, e olha, é um belo suco da década de 80 mesmo, já que todos os visuais, a direção de arte, os figurinos, as músicas, os objetos nos fundos dos cenários, tudo é muito bom e remete de fato aos anos 80. Tem ótimos personagens que sustentam esta ótima história em ótimas atuações, o elenco todo é incrível, as crianças são muito boas, a Winona Ryder é excelente, o David Harbour é o grande destaque, a Natalia Dyer é o Charlie Heaton tem uma excelente interação. É uma série que vai crescendo ao longo dos episódios, é muito bem dirigida, a vibe dela é impressionante, tem uma mescla de horror, suspense, ação, tem um tom sobrenatural, que acabou me conquistando. Mal sabiam os Irmãos Duffer o monstro que eles criaram.
Nota - 10/10
Nota por Episódio:
1x1: "Chapter One: The Vanishing of Will Byers" - 8,5/10
1x2: "Chapter Two: The Weirdo on Maple Street" - 8,5/10
1x3: "Chapter Three: Holly, Jolly" - 10/10
1x4: "Chapter Four: The Body" - 9,0/10
1x5: "Chapter Five: The Flea and the Acrobat" - 8,5/10
1x6: "Chapter Six: The Monster" - 9,5/10
1x7: "Chapter Seven: The Bathtub" - 9,5/10
1x8: "Chapter Eight: The Upside Down" - 10/10
FILMES OU SÉRIES RELACIONADOS:
• Stranger Things 2 (2017)
• Stranger Things 3 (2019)
• Stranger Things 4 (2022)