Crítica - Tico e Teco: Defensores da Lei (Chip 'n' Dale: Rescue Rangers, 2022)
Isso sim é um multiverso de respeito.
🚨 Texto com spoilers leves 🚨
Tico e Teco são dois personagens clássicos da Disney que sempre estiveram juntos nos desenhos da empresa do Waltinho, são dois elementos clássicos que estão aí no mundo desde os anos 40 e agora ganham um filme solo que é, no mínimo, curioso. O filme é descrito como um comeback do desenho "Tico e Teco e os Defensores da Lei", que durou três temporadas e foi um sucesso nos Estados Unidos e aqui no Brasil poucas pessoas ligam, a maioria nem lembra que Tico e Teco teve um desenho, só que, como um retorno de uma antiga série animada, você espera uma continuação, mas esse filme é uma espécie de "Uma Cilada Para Roger Rabbit" (1989) e é totalmente diferente de tudo que a Disney já fez na história, é algo metalinguístico e autocrítico que acaba por gerar um dos filmes mais divertidos de 2022. Esse filme parece uma alucinação, parece algo que eu veria se estivesse sob efeito de LSD (na verdade, acho que nem drogado eu pensaria em uma loucura tão gigantesca quanto essa) e esse filme é meio bobo e conveniente em vários momentos, porém é um filme feito com tanta personalidade e com tanto coração que quem não gosta, é maluco.
O filme é feito nessa pegada metalinguística de filmes que juntam personagens em animação com atores reais e que já vimos em uma porrada de filmes ao longo dos últimos 40 anos, temos o clássico já citado de Robert Zemeckis, temos "Space Jam - O Jogo do Século" que junta Michael Jordan com os Looney Tunes, assim como "Looney Tunes: De Volta a Ação" que é realmente uma metalinguagem hollywoodiana e também "Encantada", mas esse é bem mais fantasioso e distante dessa linguagem. Esse filme como eu disse, é uma doideira, parece que os produtores tiveram essa ideia depois de destruir umas carreiras (no outro sentido da frase) e, na moral, o cara que pensou nesse filme é simplesmente um gênio, porque eu nunca achei que ia me divertir tanto num filme onde os protagonistas são Tico e Teco, esse filme que deveria se chamar "Multiverso da Loucura", pois é cada cameo ilógico que é inacreditável, só alguns exemplos: Roger Rabbit (o próprio), Alvin e os Esquilos, Lumière (A Bela e a Fera), He-Man e o Esqueleto, Pumba (O Rei Leão), Batman, Linguado (A Pequena Sereia), ET (o extraterrestre), Paul Rudd e é claro, a lenda, Sonic Feio (só faltou *O Bruxo* para completar a aleatoriedade). Porém, felizmente, o filme não se vende apenas por ser essa grande experiência não-sóbria, é um filme que é realmente bom em vários aspectos, principalmente em desenvolvimento de relacionamentos entre personagens e também em criar um filme familiar completamente divertido.
Mas o filme cumpre o que promete ser: é um filme do Tico e Teco, eu gostei de como o filme cria essa relação deles através de um passado que não acabou bem e eles se reencontraram mais de vinte anos depois e é incrível ver essa outra visão nova sobre dois personagens clássicos da cultura pop e mostra algo que jamais imaginários ter visto em relação a eles e o filme vai além nesse novo retratamento, tirando as vozes de gás hélio e colocando o John Mulaney no Tico e o Andy Samberg no Teco, ficou muito bom a interação dos dois, as vozes encaixaram perfeitamente neles e a química entre os dois é bem bacana (inclusive este filme me chocou ao saber que Tico e Teco não são irmãos, tipo... COMO ASSIM????). Esse filme também usa o clássico clichê de filme que mistura bicho em CGI com realidade que é o humano e desde os primórdios sempre meteram humanos nesses filmes, mas aqui é um caso raro que é bom, porque a personagem da KiKi Layne é muito boa, ela tem um certo desenvolvimento, ela é uma novata que quer provar o seu valor e ela acaba por ser uma boa personagem no filme, além dela funcionar como uma figura que se engrandece ao longo do filme, é uma jornada de personagem bem legalzinha.
Eu gosto do andar da história, como o mistério é apresentado e desenvolvido e sim, é clichê, no momento que o mistério começa já dá para saber a resolução e que tem coincidências narrativas bem idiotinhas (tem uma cena que Tico e Teco pulam num lugar do nada sem motivo só para a história acontecer, por exemplo), mas a forma como o filme conta, que é feita com tanto carinho por quem produziu, com tanta alma e coração e com uma personalidade impressionante, é impossível não gostar dessa trama, desses personagens e dessa nostalgia que o filme traz, eu mesmo já disse, não tenho nostalgia do desenho do Tico e Teco, mas esse filme me deu a sensação de nostalgia do mesmo jeito só de acompanhar aquela jornada por uma hora e pouco. Eu também gosto de como é criado esse universo onde personagens de animação tem essa coexistência com humanos, abre portas para muitas oportunidades, já apareceram muitos personagens e poderiam ter aparecido mais, caberia aparecer desde o Woody até Rick e Morty, esse universo é criado de uma forma que me trouxe uma nostalgia absurda de "Uma Cilada Para Roger Rabbit", ver um plano aberto na rua com as animações e humanos dividindo sociedade me deu um quentinho no coração tão grande.
O filme faz várias autocríticas à indústria de forma muito clara. Através do Monterey Jack de atores dos anos 80/90 que ficaram esquecidos e viraram viciados em drogas (inclusive ter a metáfora de queijo gorgonzola ser maconha é algo tão simples, mas tão engraçado ao mesmo tempo), a crítica que fazem através da frase "cirurgia de CGI", que explana como tudo hoje em dia tá virando computadorizado e mudando a essência, a crítica de cada vez mais estarem fazendo remakes, reboots, spin-offs e sequências inúteis e sem sentido (que aqui vai de "Um Babá Quase Perfeito" com Meryl Streep, até "Batman vs ET"), a crítica às cópias baratas de filmes famosos com esses bootlegs nojentos (alô, The Asylum!) e também a autocrítica que a Disney se faz com o vilão.
O vilão do filme é uma versão cinquentona do Peter Pan, que depois que envelheceu e teve acne, ficou escanteado por Hollywood e nunca fez mais nada na vida e que se relaciona diretamente com a história de Bobby Driscoll, o dublador original do Peter Pan de 1953, que era uma estrela mirim da Disney e aos 16 anos foi demitido por ter muita acne e com isso se viciou em drogas e bebida e acabou falecendo precocemente aos 30 anos e, não é uma coincidência, tá na gata que a Disney está se expondo que fez algo gravíssimo e que o show business é cruel com artistas mirins, não só artistas mirins, mas qualquer tipo de artista que não seja alguém gigantesco como um Tom Cruise, uma Nicole Kidman, um Brad Pitt ou um Leonardo DiCaprio da vida, se não for bonito e/ou ter um apelo popular, a probabilidade de continuar na área da atuação não é muita, apenas se tiver um talento sobrenatural ou uma habilidade impressionante para fazer "favores" aos diretores e produtores (Harvey Weinstein que o diga), a forma que a história de Driscoll é retratada não é uma piada, mas sim uma espécie de carta de arrependimento da Disney por estragar a vida de um garoto tão jovem.
Uma grata surpresa, "Tico e Teco: Defensores da Lei" é um dos filmes mais aleatórios que eu já vi na vida, é um filme inacreditável que me fez questionar se eu não tinha tomado nada estragado enquanto assistia. O filme tem coração, tem alma, uma historinha boba porém divertida de assistir e é uma grande homenagem aos fãs de Tico e Teco, além de não ser econômico em participações especiais e resignificar o Sonic Feio para o público geral. É uma ótima opção de entretenimento para passar o tempo (mas não é no nível de Roger Rabbit, até porque juntar Mickey e Pernalonga na mesma cena, além de Patolino vs Pato Donald num duelo de piano, é outro patamar de nostalgia).
Nota - 7,5/10