Crítica - Cobra Kai (1ª e 2ª Temporada, 2018-2019)
Uma aula de como trazer uma franquia clássica de volta.
Um certo sábio chamado Thomas Shelby já dizia: "O Lobo só será mau se você ouvir apenas a visão da Chapeuzinho" e essa frase define a série e toda a franquia Karatê Kid. Depois de 34 anos do filme original e 29 anos da última aparição de Ralph Macchio como Daniel-San, a franquia retorna para novos capítulos, mas dessa vez Daniel-San é o vilão? O que acontece é que vemos a série pela visão de Johnny Lawrence (William Zabka) e o que aconteceu após ele levar o golpe da garça em 84 e aqui percebemos de vez que LaRusso não é tão bonzinho assim. Primeiro gostaria de falar sobre o verdadeiro criador dessa série: Barney Stinson. Barney em "How I Met Your Mother" sempre fez referências ao filme clássico, porém ele sempre colocava Johnny Lawrence como O Karatê Kid e era ridicularizado por todos os outros personagens por isso, mas o jogo virou e agora o mundo inteiro viu que Johnny Lawrence sofreu tanto ou mais que Daniel (deveríamos ter um spin-off só do Barney reagindo ao programa), na verdade desde o filme original já dava para perceber que Johnny era apenas uma vítima do Cobra Kai e sua ideologia impediosa e aqui nos é escancarado o quanto o loirinho foi injustiçado por toda uma população.
Decidi unificar e fazer crítica das duas primeiras temporadas porque demanda menos tempo para mim, segundo que a nota para as temporadas é a mesma e terceiro porque é basicamente a mesma temporada dividida em duas partes, da primeira para segunda só muda a adição de alguns personagens, mas a essência é basicamente a mesma. Na primeira temporada tenos mais uma introdução, a série é bem simples e não tem tanto mistério, vemos a vida do Johnny Lawrence sendo uma vida totalmente diferente da esperada, onde ele teve um filho e foi pai ausente, sua mãe morreu e ele ficou pobre, terminando indo morar em Reseda, Johnny sai do moleque popular rico para um bêbado idiota fracassado, até que ele conhece o bullyinado Miguel Diaz (Xolo Mariduena) e decide reabrir o dojo Cobra Kai para ensiná-lo caratê. O ponto alto da série nessas primeiras duas temporadas (ainda na produção do YouTube Premium) é a relação de Johnny com seus alunos, não só Miguel, mas a maioria deles, como Eli / Falcão (Jacob Bertrand), Aisha (Nichole Brown) e Bert (Owen Morgan), onde ele vê esses quatro (em especial) saindo de nerds fracassados e alvos fáceis de bullying indo para as pessoas temidas, pessoas confiantes, corajosas, apesar dele ter ensinado os ensinamentos do Kreese (Martin Kove) à risca, ele transformou aquelas pessoas genuinamente e é muito legal esse desenvolvimento, você consegue ficar muito do lado do Cobra Kai justamente por isso.
Mas se a série tem um acerto, é a humanidade e dualidade nela, porque todo personagem é legal e é um otário ao mesmo tempo. Johnny tem momentos que é o cara legal, mas tem outros onde ele comete erros horríveis, Daniel tem cenas onde ele é legal, mas tem outras que ele é repulsivo (muitas delas inclusive). Na primeira temporada há uma parcialidade para o Johnny e na segunda já fica mais equilibrado. O LaRusso é o mesmo de sempre, moleque explosivo, cabeça dura e aqui essa visão sobre ele só fica mais na cara, ele ainda é legal pela nostalgia, tem vários instantes que ele é muito legal e outros que ele faz o Miyagi se revirar no túmulo, na realidade ele só é desgraçado quando Johnny está em cena com ele por causa dessa rivalidade infantil que ele insiste em manter, tanto que o Miyagi-Do é reformado com a intenção de derrubar Johnny e o Cobra Kai. Na segunda temporada há essa dualidade e você fica mais do lado do Miyagi-Do muito pelo fator John Kreese e pelos alunos do Cobra estarem ficando doidos e fanáticos pela ideologia do Kreese, mas também há múltiplas cenas onde o Miyagi-Do age feito uns bostas e você fica do lado do Cobra Kai. Mas também é necessário destacar a evolução na atuação tanto do Ralph Macchio quanto do William Zabka, Macchio e Zabka evoluíram muito e eles conseguem trazer de volta a mesma essência de seus personagens de três décadas atrás, Macchio traz toda explosividade e respiração profunda do Daniel de volta enquanto Zabka traz o deboche e testosterona do Johnny. Hão momentos que os dois arrasam na atuação genuinamente, a cena da reunião na primeira temporada é espetacular e o torneio no último episódio é um show à parte de William Zabka, que só através de suas expressões percebendo que seus alunos viraram monstros impiedosos e a preocupação genuína com o Robby (Tanner Buchanan), é chocante.
Essa evolução dos personagens é espetacular, "evolução" entre aspas, né? Pois no final, Miguel, Falcão, Aisha, Bert e os outros viram completos otários manipulados pela política do "sem compaixão", você fica com asno do Miguel, do Falcão pelas atitudes bullys que eles vão tomando ao longo dos episódios, mas pelo menos eles saem desses arquétipos fracassados e ficam corajosos, isso é bacana de ver. Essa dualidade poderia ter sido muito mais forte se o Robby tivesse tido uma atuação melhor, ele é o grande calcanhar de Aquiles, pois o arco dele se resume em "ui meu pai não liga para mim, vou me virar contra ele hihihi" e o ator tem uma cara de bunda inacreditável, você fica torcendo mais para o Cobra por causa dessa inexpressão dele. Miguel, por outro lado, é o único dos Cobras que ainda é legal apesar de tudo, o único que desconfia e vai contra o Kreese, o único que não perde a doçura e carisma e o ator dele manda muito bem, especialmente na relação dele com o Johnny, que tem muito peso e é tão impactante quanto a do Daniel-San com o Sr. Miyagi, tem várias cenas que a relação deles se estabelece e esse desenvolvimento lento é fundamental para você se importar e o final dessa Era YouTube Premium é justamente um ocorrido que acontece indiretamente por conta dessa aproximação, é tão impactante que chega a doer o peito.
Eu também gostaria de falar mais sobre o Johnny, essa coisa dele estar preso no tempo faz total sentido, desde que ele perdeu o torneio, ele sentiu que perdeu a vida toda e agora ele é um daqueles machos doidões que ficou estagnado nos anos 80, sendo um cara bem machista que quer ao máximo provar sua testosterona por gostar de lutas, filmes de ação, rock pesado, mulheres de roupas curtas e carros, tanto que várias cenas dele envolvendo sua relação com tecnologia são sensacionais e realistas, ele ficar reclamando das notificações do celular é muito engraçado e quando ele descobre a internet e a primeira coisa que faz é um Power Rangers (famoso 5 contra 1) é algo lógico para um personagem que tem atitudes como a dele. Essa dureza e incapacidade vai caindo após ele conhecer o Miguel e essa relação ficando cada vez mais próxima deixa Johnny um cara cada vez mais legal.
Também é preciso destacar alguns outros personagens; eu gosto do Demetri (Gianni DeCenzo), um personagem nerdola ao máximo que vai aprendendo e se virando, depois ele recebe um desenvolvimento mais detalhado, mas ele é muito legal e carismático. Tem a Samantha (Mary Mouser), que apesar de sofrer um hate gigantesco eu gosto bastante dela e da performance da atriz, ela consegue passar bem essa menina riquinha mimada que depois fica bad-ass e habilidosa, além de ter um sorriso maravilhoso que dá um carisma próprio dela, o sorriso e o olhar dela é algo que exala felicidade. Tem a Tory (Peyton List) que na temporada em questão é só uma bully pobre e vazia que só vem a ganhar seu desenvolvimento mais para frente, acho que um problema da série é justamente a rivalidade entre essas duas, que se estabelece por conta de um cara e duas mulheres brigando por homem é ultrapassado, já deu, assim como a briga de Miguel e Robby por conta de mulher, já deu, tem que passar essa moda, tanto que depois consertam isso nas temporadas seguintes dando motivos plausíveis para eles brigarem e não só uma disputa pelo sexo oposto.
Também é importante citar o verdadeiro vilão: John Kreese. Kreese é muito assustador, o Martin Kove tem uma voz grossa que põe medo em quem assiste, ele se impõe e consegue trazer essa amargura de um veterano de guerra. Eu gosto do Kreese dele ser justamente uma crítica mais certeira ainda sobre o conservadorismo dessa geração tradicionalista, o cara que critica essa nova geração por supostas frescuras, que vem de uma época totalmente diferente e não consegue se encaixar nessa nova sociedade, querendo reformá-la para a involução e voltar aos anos 50. Kreese também ganharia um desenvolvimento maior na temporada seguinte, mas que aqui ele é ameaçador, ele é, melhor que nos filmes originais. Além dele também ser um baita enganador, enganou o Johnny e geral que viu a série pensando que ele tinha sofrido e mudado, mas na real ele está pior que nunca e ele é manipulador, a lábia dele para com os adolescentes é algo de dar um ódio inexplicável.
As duas primeiras temporadas de "Cobra Kai" não são perfeitas, hão vários problemas nela que depois viriam a ser corrigidos na gestão Netflix (é um dos quatro casos que a Netflix funcionou de verdade), mas é divertido demais! É muito legal ver de volta o Daniel-San, o Johnny, o Kreese e também os novos personagens são excelentes e muito divertidos, com exceção do Robby, todos são carismáticos e conquistadores não importa o lado. Além do mais, a série fala sobre ver de outro ângulo, buscar saber os dois lados de uma história, também fala sobre a importância de um professor e o quanto ele é parte importante de sua formação, seja para o bem ou para o mal que é visto em vários casos apresentados durante a série. Essa Era YouTube Premium é uma apresentação muito bacana para o absurdo de bom que viria depois.
Nota - 8,5/10
Nota por Episódio:
1x1: "Ace Degenerate" - 9,5/10
1x2: "Strike First" - 9,0/10
1x3: "Esqueleto" - 8,5/10
1x4: "Cobra Kai Never Dies" - 8,0/10
1x5: "Counterbalance" - 8,5/10
1x6: "Quiver" - 10/10
1x7: "All Valley" - 10/10
1x8: "Molting" - 9,0/10
1x9: "Different but Same" - 10/10
1x10: "Mercy" - 9,5/10
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2x1: "Mercy Part II" - 9,0/10
2x2: "Back in Black" - 8,5/10
2x3: "Fire and Ice" - 8,0/10
2x4: "The Moment of Truth" - 9,0/10
2x5: "All In" - 10/10
2x6: "Take a Right" - 9,0/10
2x7: "Lull" - 8,0/10
2x8: "Glory of Love" - 9,0/10
2x9: "Pulpo" - 10/10
2x10: "No Mercy" - 10/10