Crítica - Elvis (2022)

Um filme extravagante de um diretor extravagante sobre um cantor extravagante.

Elvis Aaron Presley, uma das maiores lendas da história do mundo, o homem que revolucionou para sempre um gênero musical e a história da música em si, tem singles memoráveis, álbuns mais memoráveis ainda, um estilo único (para a época), uma história sofrida, mas cheio de glórias. Elvis é uma das poucas pessoas que eu me considero fã e é muito difícil trazer uma figura histórica tão importante quanto ele para o cinema, recentemente houve certas histórias de outros cantores importantes da história contadas no cinema e que foram um terror para os olhos, como foram os casos de Freddie Mercury com "Bohemian Rhapsody" (2018) e David Bowie com "Stardust" (2020) - essa última é tão boa que você nem devia saber que ocorreu um filme sobre o Bowie dois anos atrás. A história de Elvis, por ser mais difícil de adaptar pois é algo que quem sabe está ligado que é muito longa e muito complexa e além disso, Elvis sempre foi lotado de extravagância e glamour, sempre foi diferenciado e só um diretor muito acima da média conseguiria adaptar a história completa desse ídolo mundial para o cinema e trouxeram logo Baz Luhrmann, o diretor mais extravagante e glamouroso que existe e ele foi uma escolha afiadíssima, porque o que ele faz aqui é um show.

Baz Luhrmann é um diretor experiente em filmes musicais, mas principalmente filmes visualmente lindos e difíceis de serem feitos (tecnicamente falando) por conta de seus exageros técnicos e visuais para contar a história da maneira mais fantasiosa possível. Aqui Baz se inspira em algo que Milos Forman fez há 38 anos atrás em "Amadeus" (1984), onde lá, Forman conta a história de um gênio da música (Mozart, no caso) através da visão de outra pessoa (seu rival, Antonio Salieri), aqui Luhrmann faz a mesma coisa ao contar a história de Elvis (interpretado por Austin Butler) através do ponto de vista de seu empresário, o Coronel Tom Parker (Tom Hanks). Uma das primeiras frases do filme é a seguinte: "Quem vê a história por fora pensa que eu sou o vilão, mas graças a mim vocês tiveram Elvis Presley [...]", dita pelo Coronel em um voice over e é verdade, porque quem sabe a história toda do Elvis tem noção de que o Tom Parker foi uma das pessoas de maior antipatia que já existiram e que se aproveitou da inocência do Elvis para lhe manipular e enganar durante vários e vários anos de sua carreira.

Coronel Parker realmente nos deu Elvis Presley, mas o que ele deu ao próprio? Prejuízos, traumas, sonhos de carreira não realizados, ele basicamente foi o sensei de Allan Jesus. Parker porém é tratado como um vilão caricato e genérico, em uma atuação igualmente caricata e genérica, onde ele vira um empresário malvado clichê e essa maldade exorbitante chega a um ponto de ser cansativa, o Tom Hanks tem aqui uma das performances mais fracas de sua carreira, não a considero uma atuação ruim, até porque não chega ao ponto de ser algo muito abaixo da média, mas é bem negativamente distante do que esperaríamos de um papel do Tom Hanks. Mas eu gosto como o Baz Luhrmann vai criando a relação dele com o Elvis, com as confianças indo para o despertar de realidade do cantor, você fica com raiva daquele personagem genuinamente - inclusive eu até penso se essa performance caricata do Tom Hanks não seria proposital para causar mais raiva, mas não consegui chegar à uma conclusão; e o final do personagem falando sobre o "verdadeiro motivo" do Elvis morrer é algo que ele quer que pareça legal, mas que é repulsivo vindo por parte dele, quando ele fala causa uma raiva interna, então são mixed feelings sobre esse "vilão".

Ao longo do filme, Luhrmann muda o estilo do filme, que começa na fantasia superabundante do Elvis, suas loucuras de infância ao se imaginar como seus heróis dos quadrinhos, seus sonhos de carreira e isso vai caindo aos poucos junto com essa inocência do Elvis, essa fantasia vai cada vez mais indo para um lado real na medida que nosso protagonista vai evoluindo e saindo fora desse mundo de fantasia, o filme que começa todo estiloso e fantástico termina depressivo e dramático. Quem conhece a história do artista sabe que ela é bastante triste, começa já triste quando seu irmão gêmeo morre no nascimento, depois seu pai é preso e ele foi sempre muito apegado a mãe, essa relação familiar dele é bem trabalhada, a relação bem próxima com a mãe é bem feita desde a primeira cena que ele aparece, onde vemos ela ficando irritada com a adoração (possivelmente) agressiva de várias garotas pelo filho, o filme se sai bem nessa parte, mas deixa a desejar ao trabalhar a relação dele com duas figuras importantíssimas de sua história: sua esposa, Priscilla (Olivia DeJonge) e seu pai, Vernon (Richard Roxborg), a relação com o pai até que ganha um peso no final, mas com a Priscilla é bem nula, porque na vida real ela foi o motivo da vivência do Elvis por muitos anos e aqui fica muito de lado, sendo que a participação dela seria fundamental. Dá até para entender, porque o filme não é na visão do Elvis, mas mesmo assim é decepcionante. Também senti falta da relação de Elvis com a religião, pois Elvis era bastante cristão e várias de suas músicas vão para um lado gospel, podia ter pelo menos umas duas cenas dele na igreja dialogando com um padre aleatório, além de também faltar o karatê, precisava ter mais karatê no filme do Elvis, umas duas cenas também, o cara era viciado nisso (e a esposa dele viciada no bastão do professor).

Elvis, como era bem pobre naquela época (anos 40 e 50), era o garoto branco que morava nos bairros negros (no contexto daquela época eram os bairros mais pobres e criminalizados) e com isso Elvis acaba criando uma relação com essa cultura negra, o blues, o rock, as danças, os cantores, as vestimentas, a religião, a fascinação pela Beale Street, isso é tudo mostrado de maneira coesa e respeitosa com a cultura, essa admiração toda do Elvis é muito bem retratada durante o filme inteiro, tem a amizade dele com o grande B.B. King (aqui interpretado pelo Kelvin Harrison Jr.) e essa admiração pode acabar virando apropriação? Muita gente até hoje acusa o Elvis de apropriação cultural por ter roubado o rock dos negros e eu não vou me posicionar porque esse não é o foco do texto, mas só digo que graças ao Elvis tivemos Beatles, Bowie, Guns, Iron, Metallica, AC/DC, Elton John, Ozzy, Stones, Ramones, Sabbath, Zeppelin, Aerosmith, Santana, Dio, se você hoje usa gel de cabelo e tem nostalgia de Guitar Hero, agradeça ao Elvis, sem ele o futuro do rock seria trombones e Josh Groban.

Não posso deixar de falar desse filme sem falar sobre Austin Butler, que performance inacreditável! Encarnou um espírito ali dentro dele, o que ele fez foi incrível. A voz os trejeitos, ele faz perfeitinho, eu consigo enxergar o Elvis ali, aquela voz graúda que ele deu consegue convencer demais, não é algo muito caricato como aparentava ser no trailer, ainda há uma caricatura mas é mais por conta do estilo do diretor mesmo e nossa, tem cenas dele que são arrepiantes, tem uma cena dele se cansando das reclamações de sua mãe enquanto sua fama e indo embora da casa de seus pais com raiva dirigindo o carro e indo para a Beale Street, essa sequência toda incluindo todo o diálogo dele com o B.B. King é espetacular e é a sequência que garante uma nomeação ao Oscar para ele na minha visão. Além do mais, o cara realmente canta (!) e ele não performa tentando copiar totalmente o Elvis, claro, ele faz a voz do Elvis, mas ele busca mais por uma naturalidade na voz do que uma imitação, ele tem uma belíssima voz e depois quando mescla com a voz do verdadeiro Elvis no final você já tá tão imerso que nem percebe (inclusive também podia ter mais que uma cena do Elvis gordão).

Sinceramente fui surpreendido com "Elvis", esse filme já me surpreendeu por não ser uma cinebiografia completamente horrível como aparentava ser e ter uma qualidade mínima, mas o filme é realmente bom, tem um baita trabalho de direção do Baz Luhrmann que dá um show ao construir as fantasias e sonhos do Elvis e depois aos poucos indo destruir e deixando o filme com uma vibe mais pesada e realista. Austin Butler entrega uma performance espantosa como uma das grandes figuras históricas do mundo e ele encarna o personagem, não quero criar expectativas desnecessárias, mas estamos vendo aqui o nascimento de uma lenda do cinema. Que filme legal, apesar de todos os problemas.

Nota - 8,0/10

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