Crítica - Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water, 2022)

A espera finalmente acabou.

🚨 Texto sem spoilers 🚨

Parece até mentira estar falando sobre um Avatar 2, depois de tanto tempo de espera, foram treze anos recheados de pôsteres e trailers feitos por fãs e agora é oficial: ele está entre nós. Eu já escrevi um texto sobre o primeiro "Avatar" (2009) e lá eu falo sobre a interpretação errada que muita gente tem sobre, que é só um filme com bons efeitos visuais e vazio, mas na verdade é cheio de emoção, uma criação de mundo impressionante e subtextos que envolvem questões de colonialismo ao mostrar como os humanos são seres horríveis, isso pelo visto não é entendido por metade das pessoas que assistiram que chamam o longa de sem graça, mas acho que agora na sequência essas mensagens são muito mais claras (tenho até medo das criançonas de 30 a 40 anos acusarem de "lacração" e "anticolonialismo"). No final, é mais que um simples blockbuster, é uma mensagem sobre humanidade, religião e família.

Anos depois do "povo do céu" ter vazado, Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldana) fizeram muito sexo e tiveram quatro filhos, porém, os humanos retornam e destroem parcialmente a floresta, ainda mais com o retorno do Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), cujo teve suas memórias revividas em um avatar e quer vingança contra Jake, obrigando ele e sua família buscarem refúgio longe dos Omaticaya - e não, isso não é um spoiler, porque o Stephen Lang tá confirmado no projeto desde sempre e essa forma de retorno já havia sido revelada pelo Cameron há meses. E mano, é impressionante o quanto o James Cameron é um revolucinário, ele não faz histórias super imprevisíveis e difíceis de entender, ele cria conceitos originais em histórias mega simples e funciona perfeitamente, funcionou em vários filmes e aqui, porque ele não mudou a originalidade, ele mudou o storytelling, a maneira como ele conta as suas histórias é simples, mas sempre é muito mais do que parece, todos os subtextos que ele põe desde os longas que menos parecem que tem, como os próprios "Exterminador do Futuro" que ele fez.

Mas o que torna essa franquia especial é a paixão de Cameron por sua história e ele demonstra que o que estava no original era só a amostra de uma mitologia muito maior. No primeiro havia toda a religião e espiritualidade dos Omaticaya, o povo da floresta, agora vemos a exploração de outra tribo, a Metkayina, o povo das águas. Há uma identificação clara deles, o design diferencia colocando mãos e pernas maiores, estilo diferente de cauda e um tom bem claro de azul, mas não é só isso que muda, há a diferença mitológica, pois apesar de ser o mesmo planeta e ter a mesma devoção à Deusa Eywa e Pandora, tem algumas características bastante diferentes, como a relação especial que essa galera tem com uma espécie de baleia alienígena lá de Pandora (que tem um nome bem complicado que eu prefiro não arriscar a escrever) e esses cetáceos são ditos como irmãos espirituais, cada Metkayina tem um e essa crença torna a mitologia de Pandora cada vez mais grande e rica do que parece, para muita gente é só um bando de bichão azul, mas quem vê e entende a parte religiosa e espiritual, vê que é algo bastante forte e poderoso. Se bobear devem existir mais tribos com características diferentes e vamos descobrir depois, tem mais três filmes ainda, há muita coisa a ser explorada.

Essa parte de termos povos diferentes traz subtextos interessantes ao analisarmos algumas cenas como metáforas para racismo ou até transfobia, já que a família é julgada pelo novo povo por suas diferentes características, seja a tonalidade mais escura, a cauda, braços e pernas mais finos e o principal: os cinco dedos, julgando os filhos de Sully e Neytiri por serem mestiços, isso acaba dando muito mais profundidade e humanidade à trama, colocando muito mais verdade, já que não é porque é um sci-fi que não precisa ter demonstrações de veracidade, há bastante realidade intrínseca aqui, como vários costumes que pelo visto são os mesmos anywhere: birra entre irmãos, brigas de casal, exclusão, entre outros. Outro costume humano, mas que dessa vez vem pela parte do povo do céu mesmo, é a destruição, já que pelo visto mesmo sendo derrotados, os vilões não mudaram nem um pouco, continuam os mesmos: ignorantes, preconceituosos e gananciosos, tudo que a maioria dos humanos fazem aqui é praticamente o que fazem no primeiro, tem atitudes até piores, como em uma cena que fica claro a crítica que quer passar, onde sem mais nem menos, eles invadem uma ilha inocente que não sabe nada sobre Sully, põem de joelhos algemados e queimam sua vila, como se nada mais importasse e se eles fossem os donos da verdade, mais explícito que isso impossível. A única coisa que mudou de Quaritch foi o que agora ele é um avatar, o resto é o mesmo, essa ignorância tentando se disfarçar de carisma, sendo um genocida egoísta (ele se daria bem com um certo presidente aí). Porém, até tentam dar uma humanidade ao coronel, que deixa ele menos mau, dando um filho a ele e apesar de não ser o mesmo personagem, apenas a mesma memória, essa mente ainda é muito forte e vemos que ele não é de todo mal, ele só está contaminado pelo ódio.

Quanto a Jake e Neytiri, eles ficam mais de lado para termos o espaço para o desenvolvimento de seus filhos: Neteyam (Jamie Flatters), Lo'ak (Britain Dalton), Kiri (Sigourney Weaver) e Tuk (Trinity Blass). Ver os nossos protagonistas novamente é nostálgico, agora em posições mais maduras e diferentes, Jake é mais sério por ser o líder da insurgência e se sentir na função de protetor por ser o pai, ele é mais duro, sério e maduro, não tendo mais aqueles pequenos momentos de humor que ele tinha anteriormente, ele assume uma função de figura quase heróica, enquanto Neytiri se torna uma mãe emotiva que faz o possível para proteger seus filhos, mas nunca sem deixar seu povo para trás, tanto que há cenas que mostram que ela ainda é bem tradicionalista e leal aos Omaticaya, esse instinto de mãe coruja acaba deixando ela mais radical e raivosa na hora da ação rolar.

Já as crianças: Neteyam é como se fosse o "filho favorito", sendo o exemplar e o responsável da parada, ele que sempre acaba assumindo culpa e levando bronca pelo seu irmão, Lo'ak, que é o protagonista, ele é o que tem maior arco e desenvolvimento, tem toda uma questão dele se sentir excluído e enganado por todo mundo, tendo atitudes rebeldes e tentando se provar a todo custo. Tuk tanto faz, é só uma criança e tá lá para ser mais um adicional, mas a forma como usam ela é uma AULA para outros blockbusters trabalharem com personagens infantis. Kiri por outro lado é bem mais complexa, pois ela é filha biológica da Dra. Grace Augustine e o fato delas serem interpretadas pela mesma atriz é bem legal, pois traz consigo a questão da religião Na'vi e a crença na reencarnação, não vou me estender muito porque esse parágrafo já está longo, mas o trabalho feito nela é bem interessante e há de ser explorado mais para a frente, além da Sigourney Weaver dar um show ao interpretar uma garota de treze anos sendo idosa, chega a ser bizarro isso, é um trabalho inusitado e que demonstra um talento fora do comum.

Falando da questão técnica, é algo impressionante, chega a ser surreal. Para alguns o filme é só a história e ponto, mas as questões visuais contam e MUITO para a imersão na história. Fotografia é incrível, tem vários planos em que uma beleza estética se destaca, o uso da noite e de luz e sombra é excepcional, há cenas de baixo da água que são inacreditáveis. Mas o mais inacreditável continua sendo o worldbuilding, porque na moral, vendo a fauna e a flora de Pandora, chega a ser impensável que tudo aquilo ali é uma gigantesca sala verde, nada é real, mas os caras dão uma aula de efeitos visuais e design de produção, sinceramente foi essa construção de mundo que me deixou tão preso dentro da trama, porque é sacanagem o quanto é bem feito. Em especial os na'vi, que chega a ser piada o trabalho feito encima, quando aparece os bicho azul e os humanos, quem parece CGI são os humanos, de verdade, é assustador o que a tecnologia faz nos dias de hoje. E só para avisar, lista de indicados técnicos do Oscar nesse ano é só enfeite, porque Melhores Efeitos Visuais, Melhor Design de Produção e Melhor Fotografia já tá entregue para esse aqui.

Há questões que vão dividir a galera, porque eu adorei o filme de verdade, mas muita gente vai achar um pouco parado e isso é uma questão complicada, já que depende da imersão de cada um, eu me imergi 100% na história e as três horas para mim passaram como se fosse uma só, mas quem não tiver tão disposto vai achar um certo corte de quinze-vinte minutos no meio da exibição bem longo, isso eu consegui perceber notando a cara de outras pessoas na sala. Mas para mim o que me faz não dar nota 10 é a inconsequência, já que ocorre uma batalha final épica, imersiva e emocionante que praticamente só veremos o resultado final no próximo e isso acaba sendo um pouco desanimador no final, já que é um erro comum em vários filmes de meio de franquia, essa é minha única questão. Porém, James Cameron tem um plano, vai que isso seja para deixar a história dos próximos melhores (creio que seja por isso mesmo, o cara é bom demais para deixar algo tão aberto).

Um espetáculo, "Avatar: O Caminho da Água" é uma sequência que respeita muito o original ao trazer uma ampliação de universo gigantesca em que exploramos mais Pandora, os Na'vi, seus diferentes povos em questões culturais, religiosas e espirituais, além de mensagens sobre a humanidade cada vez mais pesada através de críticas duras e claríssimas colocadas por Cameron. O que esse cara faz é inacreditável, tudo que ele fez para o espectador se sentir imerso dentro das águas de Pandora é admirável e o resultado final é muito bonito e emocionante, além desse filme ter claro algo que estava faltando em blockbusters: a paixão do criador por sua história e seus personagens, que felizmente está voltando cada vez mais forte. É uma grande construção de caminho para o que pode se tornar uma das grandes franquias da história do cinema e apesar de ter um probleminha ou outro, não foi tão influente na minha experiência. Repito: é um espetáculo e ver no cinema é uma experiência inesquecível.

Nota - 9,5/10

Postagens mais visitadas