Crítica - Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990)
O natal em seu mais puro estado.
Com uma produção pequena, orçamento menor ainda, cenários criados dentro de um ginásio escolar, criticado pela crítica especializada estadunidense antes de sua estreia e uma grande chance de gerar prejuízo, como que Esqueceram de Mim se tornou um dos maiores clássicos natalinos da história? Bem, essa é uma pergunta que irei responder ao longo do texto, mas já adianto: não é nenhum fator extrafilme não. Como você pode perceber pela introdução, a produção do filme pareceu conturbada, mas bem, ela não foi "conturbada" no sentido mais puro da palavra, porém foi bastante complicada, com um orçamento que ia aumentando a cada dia e o Joe Pesci dando mas trabalho no set que o Macaulay Culkin. A história de produção é muito boa, recomendo o episódio da série "Filmes Que Marcaram Época" da Netflix que falam sobre esse longa em específico e tudo que eu falei aqui você vai entender melhor lá, vejam porque é um excelente documentário. Enfim, foi um período de filmagens complicado, divertido e que quase acabou virando um flop por conta do crítico americano Roger Ebert, que o detonou em rede nacional antes de sua estreia, mas então (para a felicidade dos seguidores da Mundo Desconforto), a crítica provou estar errada e acabou por se tornar, na época, uma das maiores bilheterias dos Estados Unidos, atrás apenas de "Tubarão" (1975) e "Star Wars" (1977). Entretanto, o que faz esse filme ser tão lembrado e tão atemporal?
Na direção temos Chris Columbus, um especialista em fazer filmes infantis e um grande diretor de atores mirins, tendo feito não só os dois primeiros desta franquia, como também os dois primeiros Harry Potter do cinema: "Harry Potter e a Pedra Filosofal" (2001) e "Harry Potter e a Câmara Secreta" (2002), além de "Uma Babá Quase Perfeita" (1993) e "Uma Aventura de Babás" (1987). Todavia, o que chamava a atenção dos espectadores era outro nome: John Hughes, o criativo realizador de obras adolescentes marcantes dos anos 80 que aqui apenas assina o roteiro em uma história infantil. Hughes fez o que sempre fazia: uma história simples, que parece boba, porém que havia mensagens intrínsecas ali sobre coisas que nos identificamos, aqui Columbus pega isso e transforma essa trama em um dos grandes clássicos natalinos e infantis da sétima arte, atravessando gerações e marcando infâncias até hoje. Columbus sabia do real potencial de sua obra e sempre tenta a cada momento te pôr mais dentro da história, fazer você se aproximar mais com os personagens e te colocar quase lá dentro, fazendo de você um espectador das peripécias de Kevin McCallister (Macaulay Culkin) e da procura de sua mãe (Catherine O'Hara) por ele.
Acompanhamos Kevin durante uma longa porcentagem, vemos ele como aquele pestinha clássico de filme americano e nós entendemos (ou quando crianças até poderíamos nos indentificar com) ele ser assim por ser criança, tendo birrinha besta com a mãe e ficando com essa razão por puro orgulho da infância mesmo por uma boa parte de sua estada em casa sozinho, até que ele começa a perceber que sem sua família nunca vai ter a mesma graça, apesar das brigas e discussões frequentes. Eu gosto muito dessa mensagem, porque o John Hughes quando criava essas histórias, ele queria fazer com que repensássemos sobre nós mesmos e nossos defeitos, nossos erros, que não conseguimos enxergar. Essa mensagem de que você pode brigar e dizer que odeia a sua família, mas não pode viver sem ela, é a mais pura verdade, porque lembranças ruins acabam sendo minoria e a minoria é esquecida na mente, o que importa são as boas memórias e apesar de isso parecer muito coach, não dá para negar que é a mais pura verdade. Isso serve também para o lado da mãe, que estava irritada com seu filho, porém ao notar que ele não estava lá, tem a reação imediata de ir correndo de país em país até voltar para casa.
Essa divisão de tela entre Kevin e Kate eu considero fundamental para um ótimo andamento da trama enquanto um filme, pois eu penso que se tirássemos essa parte da mãe voltando e só deixasse o protagonista fazendo pimentice em casa, ficaria muito monótono e enjoativo, além de um pouco mais vazio emocionalmente, então essa parte de vermos a mãe voltando, apesar de parecer meio boba para alguns, é um ponto que eu considero um acerto justamente por isso, ainda mais que ajuda a desenvolver a figura materna e não deixar só ela em um pensamento de "nossa, ela trata mal o filho", você vê que apesar dos momentos de raiva, ela o ama, o que é bastante real. Outra coisa que gosto e também tem muito a ver com a realidade é como o nosso protagonista reage ao ver que a família sumiu, no início se assusta só que depois faz tudo que queria fazer e não conseguia, o que é bem verdadeiro, porque quando você acorda e não tem ninguém em casa, sua reação imediata é "ué, cadê as pessoas que moram aqui?" e depois já faz tudo que queria fazer. A inocência aqui é preciosa ao vermos Kevin fazendo criancices, como pular na cama e brincar de trenzinho, e depois tentando fazer coisas de adultos, como aparar a barba e ir no mercado sozinho, é justamente essa inocência que vai amadurecendo o personagem e vamos nos apegando a ele, já que no início só pensamos "ó, que bonitinho" e depois vemos que ele realmente ganhou muito naquela situação mesmo sendo só uma criança.
Eu gosto de como essa inocência e amadurecimento do Kevin é misturada com a desgraça que o ser humano é na infância, pois toda criança é uma peste por natureza e isso aqui é mostrado ao vermos Kevin manuseando uma espingarda real depois de alguns minutos sozinho em casa (com certeza não aprovariam esse projeto hoje em dia), além das bagunças características de uma criança, o Macaulay Culkin ajuda muito também, já que sem sua presença, o Kevin não seria o mesmo Kevin e o filme não seria o mesmo filme, ele é um ponto especial. Ele mesmo sendo um garotinho de oito anos consegue dar uma profundidade e realidade muito grande ao seu personagem, porque começa aquela coisa simples de birra, depois vem a diversão e depois começa a surgir o amadurecimento, que se demonstra gigante na cena da igreja, que é a minha favorita deste longa, pois ali vemos um menino tendo um papel de adulto com um de verdade, é uma troca muito interessante entre ele e o seu vizinho e a conversa entre dois serve para mostrar como as brigas e birras são finitas e que não passam de momentos de raiva espontâneos que passam um tempo depois, é um baita diálogo e bem profundo para uma obra destinada ao público infantil.
E o fato dele ser um pestinha acaba sendo quase uma arma de Tchekhov para ele derrotar a dupla de antagonistas: Harry (Joe Pesci) e Marv (Daniel Stern), que são vilões icônicos dos anos 90, porém para falar a real eles são só uns ladrões que só servem para apanhar, o que na proposta funciona perfeitamente. Começa mostrando eles discretamente disfarçados em empregos cotidianos e depois mostra que eles eram ladrões que estão tentando invadir as casas do bairro, essa besteira na criação deles é tão boba, porém é tão simples e bem feito que acaba ficando marcado, o fato de serem personagens caricatos remetem a desenhos clássicos da época, então trazer essa questão foi excelente para conquistar o público. E o clímax com Kevin destroçando eles na base da gambiarra é muito bom e muito engraçado, é perfeitamente funcional na proposta de um longa infantil, novamente remetendo às séries animadas dos anos 60, 70 e 80 onde os protagonistas venciam os vilões da forma mais inexplicável possível, essa alma de infância é que faz funcionar tão bem e ser um longa que atravessa gerações.
Um grande clássico infantil, "Esqueceram de Mim" é o natal em seu espírito mais puro. É um dos melhores filmes infantis da história que não funciona só com crianças, ele é tão bom e tão atemporal que funciona em todas as idades, são 32 anos que o longa é visto por milhões de pessoas ao redor do mundo na época de fim de ano, porque é isso, ele é tão marcante que é tradicional revê-lo todo ano em dezembro para muita gente. Macaulay Culkin tinha um carisma inacreditável, a forma como Chris Columbus consegue remeter aos desenhos animados da época e com que a infantilidade as vezes sai para conversas mais maduras é o que dá o ar da graça. Com certeza é muito maior que o bicampeonato brasileiro do Atlético-MG em 2021 (quem entendeu, entendeu).
Nota - 9,5/10