Crítica - Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery, 2022)
Passou perto do primeiro mas não está no mesmo nível.
🚨 Texto sem spoilers 🚨
Depois do grande e inesperado sucesso de "Entre Facas e Segredos" (2019), cujo pegou o subgênero do whodunnit e subverteu para uma coisa totalmente nova e diferente, agora Rian Johnson retorna com a sequência para vermos o novo caso de Benoit Blanc (Daniel Craig), em mais um filme que acaba reformulando a receita de sucesso do gênero e é inevitável, quando você faz a sequência de algo bem sucedido, é impossível evitar comparações, até porque nesse caso acho que esse fica a frente do primeiro por tempo, mas depois de um tempo desanda. Depois do que aconteceu no primeiro, você fica curioso para saber como seria a atuação de Benoit Blanc em outros casos e aqui o diretor opta por uma fórmula diferente, pois ele começa apresentando vários personagens (novamente com muitos atores famosos) e o verdadeiro crime só vai acontecer depois de uma hora de exibição, então você tem um grande tempo para conhecer os novos personagens e odiar todos eles porque aqui são todos idiotas de carteirinha, no original a maioria também era babaca, mas o carisma da galera ajudava, aqui o elenco é propositalmente babaca e isso é maravilhoso.
Dessa vez é uma galera menor reunida. Miles (Edward Norton) é um milionário excêntrico muito idiota (praticamente uma mistura de Elon Musk com Zuckerberg) que tem um grupo de amigos onde são mais idiotas ainda: Claire (Kathryn Hahn), uma política com medo de sua reputação cair; Lionel (Leslie Odom Jr.), um químico pau mandado; Duke (Dave Bautista), um gamer fracassado que virou um influenciador direitista que sempre anda com uma pistola na cueca (literalmente); e Birdie (Kate Hudson), uma modelo decadente que faz muita m*rda. Também há Whiskey (Madelyn Cline), namorada de Duke, e Peg (Jessica Henwick), a assistente de Birdie. Eu adoro como o diretor satiriza o arquétipo dessas pessoas, porque ele retrata elas de maneira escrachada, porém é bem real. Lionel é um grande cientista, porém é cadelinha do Miles e se sente na obrigatoriedade de defendê-lo. Duke é o retrato perfeito do otário, porque ele se sente dizendo as verdades e vendendo pílula para ereção, mas no final é só mais um fracassado que mora no porão da mãe. Claire é mais preocupada com sua reputação do que sua função como política (política americana mais fraca) e Birdie é o retrato perfeito da idiotice, ela é a típica influencer burra e idiota que vive na internet sendo preconceituosa e ignorante quando pensa que está falando a verdade.
Você tem esses otários com o propósito de você odiar todos eles, pois todos são egoístas e logo você pensa: "era para gostar deles?", até que vem o assassinato e a dinâmica do filme, aí vemos a personagem com menos destaque e que mais se destacava dos outros ganhando importância: Andi (Janelle Monáe), que até então tava quieta, era uma figura misteriosa, sabemos o que havia acontecido com ela envolvendo seu passado com Miles, até que no meio da exibição a quebra de paradigma do gênero aparece novamente e vemos que a história por trás dela é mais surpreendente do que parece, não vou dar spoiler mas o que a atriz entrega no que é proposto é excepcional, porque ela tem que entregar algo bem difícil e consegue.
Essas quebras do convencional vêm desde o primeiro filme, mas aqui alça outro nível ao observamos o mistério proposto em todos os trailers ser dissolvido pelo Blanc em dois minutos (em uma cena que ele prova porque é o maior detetive do mundo nesse universo) e tudo que aparentava que ia acontecer vai virando algo totalmente diferente, que necessita voltar no tempo para entendermos verdadeiramente a natureza do que está ocorrendo naquela casa. Até aí tudo bem e tem de novo a cena do Daniel Craig resolvendo o grande mistério enquanto a edição vai retornando a cada segundo que vimos anteriormente, com a utilização de múltiplas armas de Tchekhov, só que aí vem um dos problemas que não era necessário: o Rian Johnson tenta se pagar de inteligentinho e em algumas dessas pistas que Benoit vai revelando, ele tenta fazer os espectadores de idiota, e isso sinceramente me decepcionou porque no primeiro não tinha isso e aqui também não precisava ter esse rebaixamento, é algo que eu fiquei com a mão no rosto de decepção mesmo, mas pelo menos é a minoria.
Outro problema está mais voltado para o que rola no final, pois depois da cena do Blanc resolvendo o mistério tem quase meia-hora a mais de filme e, apesar do que acontece ser muito justo visto à trama, se estende muito e no final vira algo bem fora da curva do que o longa se propõe, parecendo até um blockbuster ruim do Michael Bay, isso me broxou total porque até então eu estava achando melhor que o primeiro sinceramente, aí vem isso e minha experiência piorou. Eu sou contra essa pregação de realismo no cinema e vou continuar sempre sendo, mas existe uma coisa chamada verossimilhança, onde os acontecimentos precisam fazer sentido dentro do universo da história e na real, acontecer algo daquela magnitude é exagerado até demais na minha opinião e foi incomodativo para mim, porque se tivesse acabado vinte minutos antes teria sido facilmente um dos top 5 do ano, mas essa megalomania exagerada fez com que caísse no meu conceito.
Falando do que presta, o Daniel Craig está muito melhor aqui que no anterior. Ele tem essa convicção de detetive que é bem legal, o sotaque dele novamente se destaca e as cenas dele agindo na função de investigador são perfeitas, até porque ele trás todas essas inspirações dos grandes detetives da história das artes e eu gosto do sarcasmo dele, a ironia dele ser ruim em jogos sobre investigação e o fato dele reconhecer seus limites é bem legal, porque depois que ele resolve o caso (e o filme acabar ali para mim), ele simplesmente vai embora, é incrível. O Edward Norton também vai muito bem, ele convence muito nessa persona do cara rico e excêntrico que quer mudar o mundo e ficar eternizado na história para sempre, só que há reviravoltas sobre ele realmente inesperadas pelo o que sabíamos através dos trailers e acaba se tornando uma atuação melhor ainda.
Eu falei sobre cada personagem apresentado anteriormente, mas gostaria de dar sequência aqui com mais detalhes. No geral, há uma crítica sobre a burrice, ganância e ignorância do ser humano, representada por cada um dos amigos de Miles. Claire é uma política com medo de perder o apoio de Miles (já que é só por isso que ela ganha as eleições) e quando ocorre a morte ela fica mais preocupada com o fato de vir polícia e uma possível imprensa do que a pessoa ter ido de comes e bebes. Lionel é um cientista vendido que prefere fazer o errado para ganhar mais dinheiro. Duke é a representação em pessoa de um otário, o cara anda com uma arma o tempo inteiro por pura posição política, é totalmente machista e se acha o bonzão, além de aceitar ser corno só para conseguir algo mais que uma live na Twitch, com certeza é daqueles caras que acredita em redpill e sigma male não ironicamente, ele parece uma mistura de Breier com Gabriel Monteiro (tirando a parte criminosa desse último). Birdie é a pessoa mais insuportável que existe, é daquelas que acha que está sendo sensata quando na verdade é uma preconceituosa e ignorante, que organiza festas em meio a uma pandemia, que faz blackface alegando ser homenagem, é como uma daquelas influencers insuportáveis que fazem sucesso por serem ricas e estão na mídia sem nenhum motivo, o pior é ela ainda se achar na razão, até levar um balde de água fria do Blanc quando ele fala que "algumas psssoas confundem falar o que pensa com falar a verdade, não acha?".
Eu gostei do fato de ser o primeiro grande filme a se passar durante a pandemia da COVID-19, claro, teve outros, mas nenhum na magnitude desse filme que é de um diretor reconhecido com um elenco estelar e um sucesso garantido. Acho importante aderir isso dentro dos filmes porque é algo que aconteceu, mudou o mundo e não pode ser ignorado ou apagado, então parabéns para o Rian Johnson nesse quesito. Questões técnicas também excelentes, tem um belo soundtrack com direito a David Bowie e The Beatles. Tem uma direção de arte inacreditável, a construção da ilha é absurda, cada detalhe é um diferencial dentro da história, e principalmente o que dá nome ao filme, a grande cebola de vidro, que tem um design magnífico e original, criando um local diferente e bastante criativo. Figurinos excêntricos e ótimos também, cada um muito condizente com cada personagem e diz muito sobre cada um deles através das cores de cada roupa.
Apesar de decepcionar um pouco em seu final, "Glass Onion: Um Mistério Knives Out" é um ótimo filme, bastante divertido e com um excelente valor de entretenimento. Tem várias coisas incríveis como as atuações, a crítica social, a construção de mundo, o protaganista, a quebra de paradigma do whodunnit, tudo funciona muito bem. Benoit Blanc vai cada vez mais entrando na lista de grandes detetives do cinema e pode se consolidar dependendo da qualidade do filme que encerrará a trilogia. Apesar de ter problemas impossíveis de ignorar, acaba sendo uma experiência agradável do mesmo jeito, já que ver o Daniel Craig nessa função de detetive já vale a pena por si só.
Nota - 8,0/10