Crítica - Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019)

Um filme que subverte as expectativas do whodunnit e se torna original e criativo.

Recentemente falei sobre o subgênero whodunnit por aqui, na crítica do anglo-americano "Veja Como Eles Correm" (2022), que faz uma clara homenagem à Agatha Christie e suas obras literárias de detetive, mas, como sei que muitos não irão ler o outro texto, explicarei de novo: whodunnit é um subgênero existente tanto no cinema, quanto na literatura e na dramaturgia, onde algum crime acontece (geralmente um assassinato) e um misterioso detetive aparece para resolver o caso investigando todos os suspeitos, aqui sendo ele Benoit Blanc (Daniel Craig). Na maioria dos casos, as obras estão muito entrelaçadas em uma mescla de thriller com comédia, que traz um resultado agradável demais para o público, que sempre gosta dessas histórias. Porém, convenhamos, é sempre a mesma coisa e isso enjoa cedo ou tarde. Contudo, surge Rian Johnson, diretor do divisivo "Star Wars: Os Últimos Jedi" (2017) e também de "Looper - Assassinos do Futuro" (2012), e acaba mudando o gênero para sempre, subvertendo as expectativas e criando uma das jornadas cinematográficas mais criativas e legais dos últimos anos.

O histórico do gênero é que você vai descobrir o verdadeiro assassino só ao final da narrativa, porém aqui, você já sabe como a vítima foi de base no meio do filme e o mistério real se torna o que acontecerá com Marta (Ana de Armas), mas isso não impede de haver um grande plot twist. A maneira que Rian Johnson conduz a história é única, ele consegue fazer a mescla perfeita do drama com suspense com comédia, pois tem várias cenas que são engraçadinhas seguidas de cenas dramáticas seguidas de momentos de investigação e não cria uma estranheza como seria com um diretor menos competente, ele deixa bastante condizente com o que a trama quer apresentar em dados momentos. Ele também faz uns jogos de fotografia e edição que dão uma estética mais "cool" ao que estamos vendo, fazendo com que se diferencie de demais obras do estilo, como a aproximação da câmera no personagem enquanto o cenário se afasta, claro, não é original, vários diretores fazem isso há décadas, mas Rian leva para o ápice. Também há um excelente uso do slow motion em cenas que são apropriadas para a utilização do efeito, auxiliando sem erros na tensão que o filme te põe o tempo inteiro.

Porém, para mim é inegável que há uma certa gordura ali, entre o flashback da morte de Harlan (Christopher Plummer) e um pouco da investigação, acho que acaba se estendendo demais, ficando um pouco lento, não chega a ficar tedioso ou chato, mas a queda de ritmo é notável e ele só volta a ficar mais rápido quando o personagem Ransom (Chris Evans) aparece em cena e renova a vida do longa. A partir da aparição do Chris Evans, o filme se despiroca totalmente, ficando uma loucura sem fim que envolve mais morte, perseguição policial, briga familiar e outras coisas que dão uma adrenalina e deixam o que estávamos assistindo infinitamente mais legal e com mais entretenimento, sabe a música November Rain do Guns N' Roses onde no final vira uma loucura completa com o Slash solando em cima do piano e o pessoal correndo no clipe? É nesse nype, só que no cinema.

Rian Johnson de quebra decide escalar um elenco estelar que se divide entre estrelas do passado, estrelas do presente e futuras estrelas. Temos o colosso Christopher Plummer, a lendária Jamie Lee Curtis, o grande Michael Shannon, o brabo Don Johnson, misturados com Chris Evans, Daniel Craig e Toni Collette, atores que cresceram em Hollywood durante os anos 90/2000; também há as jovens estrelas como Lakeith Stanfield, Jaeden Martell, Katherine Langford e a principal, Ana de Armas. Você não junta um elenco desse atoa, se você quer essa galera no seu filme, é porque pretende alcançar algo enorme e aqui tem um objetivo concluído, ainda mais com um bônus, que é o fato da maioria deles estar interpretando personagens com arquétipos diferentes do que eles sempre fazem. Tipo, Chris Evans, ele que estamos acostumados a ver sério e com postura interpretando o Capitão América e faz um cara sarcástico que só quer ver o circo pegar fogo (Sigma 🗿🍷). Michael Shannon interpreta um homem um pouco mais velho e debilitado. Jamie Lee Curtis faz uma mãe gananciosa e "saudosista" demais ao legado da família. Essa subversão de papéis deixa infinitamente mais legal de acompanhar, porque todos estão fora da zona de conforto e mandando bem nisso.

Inclusive, a divisão de protagonismo é bem legal e ajuda a subverter o gênero, já que você vai ver o filme com a expectativa do Daniel Craig ser o grande protaganista que vai chegar e botar o pau na mesa, mas há esse co-protagonismo com a Ana de Armas, que está maravilhosa, ela consegue demonstrar toda essa preocupação da personagem durante a investigação do caso, ela tem uma cara de desespero muito convincente, os olhos dela por si já são muito expressivos, é surpreendente e ela prova de vez aqui que não é só mais um rostinho bonito (muito bonito inclusive, bonito até demais). Esse mistério quanto a ela é bem legal também, dá mais o ar da graça, nós não sabemos de onde ela é, no filme falam sobre ela ser mexicana, colombiana, equatoriana e até brasileira em um certo momento (até porque americanos são um povo preconceituoso que não estudam geografia), só sabemos que ela era amiga de Harlan e que ela vomita quando mente, mas tirando isso a persona um pouco oculta dela é bem legal.

Blanc não fica para trás, o Daniel Craig está excelente no papel e nitidamente se divertindo. Ele faz um detetive com suas bases claras nos grandes investigadores da história, como Sherlock Holmes, Hercule Poirot e o Batman, em uma versão mais escrachada, porém não menos genial. Tem cenas legais de comédia dele, mas o principal destaque é o sotaque, pois estamos tão acostumados a ver o ator todo sério com o sotaque britânico estralando interpretando o James Bond e aqui ele fazendo um detetive americano e que não é tão levado a sério pelo próprio filme é bem legal e diferenciado. Mas o melhor personagem para mim, é o Ransom, o cara é muito bom, tem todo o carisma do Chris Evans envolvido, mas a forma como o longa muda desde sua aparição é muito maluca. É uma mistura de carisma, sensatez, sarcasmo, loucura e idiotice, é uma combinação perfeita que gera um belo vilão no fim.

Tecnicamente falando também é sensacional. A construção da casa é maravilhosa, porque você tem aquela mansão gigante mega detalhada que a cada ponto você percebe mais o empenho da galera em criar uma grande obra. Visualmente falando, o marrom da casa tem um excelente contraste com o figurino dos personagens, dos mais simples como o da Toni Collette, aos mais comuns, como do Don Johnson e Michael Shannon, aos mais exagerados, como do Chris Evans e da Jamie Lee Curtis (principalmente), isso acaba fazendo uma mescla visual que cria uma sensação agradável aos olhos de quem assiste, fazendo com que coisas simples se tornem mais dentro de uma grande história.

Apesar de ter alguns problemas rítmicos, "Entre Facas e Segredos" é bem divertido, original e legal de assistir. Rian Johnson pega um elenco estelar e os põe em arquétipos bem diferentes daqueles que estão acostumados a interpretar e todoa eles vão espetacularmente bem nisso, surpreendendo positivamente, tanto veteranos que provam porque estão há tanto tempo na indústria, quanto novatos que provam porque vão estar em vários filmes daqui para a frente. Só pela coragem de ser de um adorado subgênero notável, pegar e mudar totalmente sua fórmula pela primeira vez, já é um grande motivo para gostar, mas a qualidade ajuda ainda mais. Belo filme.

Nota - 8,5/10

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