Crítica - John Wick - De Volta ao Jogo (John Wick, 2014)
Pancadaria, sangue e Keanu Reeves. O que poderia ser melhor?
Estamos em 2023 e John Wick está prestes a ganhar um quarto capítulo, com um quinto e dois spin-offs já confirmados. Mas lá em 2014, mal sabíamos que o que parecia apenas mais um filme de gente trocando tiro viraria uma franquia de um sucesso gigantesco e excepcionalmente aclamada. Retrospectivamente esses longas com cenas de ação que envolvem muito sangue e armas de fogo não são tão adorados pela crítica, pelo menos não em Hollywood, são taxados de genéricos, sem graça e outros adjetivos mais negativos pelos críticos dos EUA. Mas, isso não poderia ser para sempre, precisava vir um que terminasse isso, e aqui temos a prova de que um filme de arminha e vingança poderia ser mais que apenas isso. Usando os conceitos clássicos desse estilo, mas trabalhados de um jeito diferente e melhor desenvolvido, com um elenco famoso, liderados por Keanu Reeves, e um excelente trabalho técnico, temos uma das obras de ação mais empolgantes da última década.
Dirigido pelo aqui estreante Chad Stahelski, um coordenador de dublês, que, como um trabalhador da área, entende demais o que deve ser feito para termos grandes cenas de ação, pancadaria, tiros e facas, mas ele também se destaca por seu trabalho com a história, na minha visão. Com cinco minutos de exibição, já sabemos quem é John Wick (Keanu Reeves), sabemos que ele tinha uma esposa a qual ele era extremamente apaixonado, mas ela não tankou e foi de base. Então, ele ganhou um cachorro e assim vivia, normalmente com um cachorrinho que o trazia esperança. Até que Iosef Tarasov (Alfie Allen), filho de seu antigo chefe Viggo Tarasov (Michal Nyqvist), invade sua casa, rouba o seu carro e mata o cãozinho. Com isso, descobrimos que John era um assassino profissional da máfia russa que pode te matar usando todo e qualquer objeto que ele vê pela frente e vai em busca de vingança. História mega simples, mas que desenvolvida do jeito que é, fica espetacular, mesmo porque não foca muito no storytelling, mas sim no Keanu Reeves metendo porrada em geral e é por isso que funciona tão bem.
Eu gosto disso porque é uma das milhares de provas que nem todo filme precisa de um mega roteiro elaborado para funcionar, se for um simples bem estruturado já está ótimo, até porque em nem todo longa a história e os diálogos serão os principais, aqui há a história, mas o que vemos majoritariamente é tiro, é cena de ação e nesse quesito é preciso aplaudir o Chad Stahelski, porque foi o primeiro trabalho dele na direção e ele já entrega um espetáculo visual e violento. Inclusive ele iniciou esse movimento de dublês e coordenadores de lutas desses filmes virarem diretores de ação, ele foi seguido por David Leitch (produtor e dublê deste filme inclusive, que posteriormente dirigiu "Deadpool 2" e "Trem-Bala") e Sam Hargrave (antigo dublê do Chris Hemsworth que dirigiu "Resgate"), então ele meio que deu uma pequena revolucionada no gênero ultimamente, tanto que todos esses longas citados nos parênteses foram aclamados. Na direção, ele dá um tom meio thriller para o que ele quer contar, há um suspense construído ao longo de toda a narrativa, um clima até meio noir, com ele usando muito o verde em uma paleta de cores mais escura, ele vai adicionando um azul e um roxo que dá um estilo muito próprio e muito bonito. Visualmente é lindo mesmo, a técnica, direção de arte dos lugares, tem umas construções muito únicas e impressionantes com um orçamento de 30 milhões de dólares.
É óbvio que as cenas de ação trazem muitos estilos de artes marciais combinados para dar um senso diferente do que é sempre o mesmo, sempre agarração, imobilização e tiro no rosto, aqui muda e são várias combinações, modalidades misturadas, tem muito de hapkido, krav maga e várias outras, mas cada personagem tem um estilo próprio. John Wick mesmo tem um estilo baseado no próprio hapkido, com judô e jiu-jitsu brasileiro. Viggo baseia suas lutas no sambô, uma arte marcial soviética. Perkins (Adrianne Palicki), tem base no jiu-jitsu japonês. Marcus (Willem Dafoe) utiliza o gun-fu, um kung-fu com armas (popularizado nos filmes de John Woo). Com isso, há muito espaço para o diretor e a equipe de dublês se divertir combinando as lutas, os golpes de cada uma e nisso, cria-se cenas de ação muito únicas para Hollywood naquela época, foi diferente, porque nitidamente era gente que entendia de porrada, de luta fazendo, coreografando e gravando, então isso dá uma sensação de muita naturalidade e leveza na hora de rodar. Foi por isso que rendeu sequências apesar de não ter feito números grandes de bilheteria, fez 86 milhões de dólares, mas era tão original e tão próprio para o público americano, que decidiram dar continuidade, e que bom que deram, porque as continuações são tão boas quanto.
Falando agora dos personagens, começando com ele mesmo, John Wick. É interessante ver ele como personagem e como o próprio é desenvolvido, porque ele parece mais um homem que vive o cotidiano, que ficou viúvo, mas o legal é isso, é ver como ele tem um "duplo sentido", porque ao mesmo tempo que ele é comum, ele era um assassino que trabalhava para máfia e começava a contagem de corpos assim que pisava em um local. Ele traz meio de volta isso do protagonista misterioso, ele é dúbio, é meio calado, ele lembra os personagens principais de antigos faroestes e thrillers, ele tem um quê de Clint Eastwood mesclado com Harrison Ford e Paul Newman, quase como se fosse uma reencarnação desses. Acho legal também como é um personagem que quer se afastar de tudo isso, negar o passado e viver o futuro, com a única lembrança que ele que ter sendo de sua esposa, mas como ele não pode simplesmente deixar para lá o que ele já foi e o que ele é, porque ele acaba sendo constantemente lembrado disso pela vida, o quanto mais ignora, mas lembra do que ele já foi. O Keanu Reeves é excelente no papel porque não exige muito dele, ele faz o básico de mostrar quem é John Wick, ele demonstra bem essa frieza e essa dubiedade em relação a ele e sua personalidade, ele tem um olhar que você sente a raiva só de ver, caiu perfeitamente bem no papel.
O elenco de apoio também é funcional e prestativo. Eu curto principalmente o Viggo, o vilão, ele é um tipo de personagem meio batido, esse negócio de mafioso russo, mas ele é ameaçador, ele tem uma lábia, até um certo carisma e ele convence porque é um antagonista que impõe uma ameaça, um certo temor no protagonista e isso já é suficiente, já que para mim, um vilão bom é aquele que consegue assustar o protagonista de algum jeito e o Michael Nyqvist também vai bem no papel fazendo esse cara que é frio, poderoso, imponente e ele manda bem na omissão de emoções, já que tem a cena que o John Wick mata o filho dele e ele fica sentido, triste, mas consegue esconder bem para não demonstrar uma fragilidade de alguém daquela colocação na máfia. O Alfie Allen também é excelente, porque ele convence demais nesse perfil de jovenzinho rico babaca e irritante, que só quer ostentar e pegar mulher, abusando de seus poderes e se ferrando por isso, esse é um arquétipo muito bem trabalhado e muito bem feito. A Adrianne Palicki tá aqui para ser a femme fatale, aquela mulher que aparece para chamar atenção pela beleza, mas que tem um arco e uma especialidade em ação, é bem legal quando aparece. Também tem os aliados, o Marcus, que é legal pelo personagem e por ser o Willem Dafoe, que traz um senso bad-ass e de coadjuvante bacana, mesmo aparecendo pouco, ele conquista o espectador. E o Ian McShane, que o papel dele é uma mistura Alec Baldwin em "Os Infiltrados" com o M do 007, o chefe que é mais sério, mais na dele, mas que sempre ajuda o protagonista, sempre tem esse personagem nos filmes e é uma participação bem legal.
Um espetáculo de ação, "John Wick - De Volta ao Jogo" conquista por sua simplicidade, agilidade, carisma e beleza visual e técnica, entregando algo diferente nos filmes de ação de Hollywood, trazendo um quê de cinema de ação europeu e principalmente asiático. Com uma aura nova mas ao mesmo tempo clássica, uma beleza ao mesmo tempo que é brutal e violento. Um protagonista bem desenvolvido, um vilão convincente e um elenco coadjuvante excelente, com uma ação que mescla várias artes marciais, criando uma porradaria única, misturando judô, com jiu-jitsu, com hapkido, karatê, taekwondo, kung-fu e outras variáveis. Tecnicamente impecável com uma fotografia que remete a algo meio noir usando um verde escuro predominante na paleta, uma construção de cenários linda e bem feita, design sonoro impecável, direção de dublês excepcional. É maravilhosamente bem produzido e um entretenimento dos mais puros, é uma hora e quarenta que você fica imerso e se diverte com o Keanu Reeves metendo a porrada em mafioso, não tem nada que gera tanta diversão.
Nota - 9,0/10