Crítica - Bailarina: Do Universo de John Wick (From the World of John Wick: Ballerina, 2025)
Será mesmo que John Wick se sustenta em um universo compartilhado?
Na última década, tivemos o surgimento de uma das grandes franquias de ação do cinema, pelo menos no século, quando lançou de forma desprevenida e despreocupada "John Wick - De Volta ao Jogo" lá em 2014, estrelando Keanu Reeves. Após sua sequência em 2017, onde as coisas aumentaram de patamar, criando todo um universo e uma mitologia em volta de diversos conceitos apresentados no original, e depois continuaram acrescentando cada vez mais coisas em "Parabellum", o terceiro capítulo da franquia, e depois ainda muito mais coisas em "Baba Yaga", o quarto capítulo, com esses dois últimos sendo altamente lucrativos e com bilheterias estrondosas para filmes com censura R nos Estados Unidos. Com esse tamanho sucesso que a franquia atingiu, logo começaram a surgir mais ideias para expandir este universo fora da franquia principal, que, lógico, muito disso pelo dinheiro, Hollywood e capitalismo são sinônimos, mas foram várias expansões de ideias ensaiadas ao longo da série de filmes principal. Tivemos a minissérie "O Continental" (2023), que apesar de não ter feito sucesso, ainda é bem bacana, e agora com "Bailarina", onde vemos a expansão da Ruska Roma, o centro de treinamento russo introduzido no terceiro filme, onde John Wick foi treinado. Com Ana de Armas no papel principal e uma nova direção, prometia expandir este universo para novos ares. Contudo, será que precisa mesmo expandir tanto assim o Universo John Wick?
Eve Macarro (Ana de Armas) viu seu pai, um ex-assassino da Ruska Roma, ser morto na sua frente quando criança por uma gangue/seita chamada Cult. Traumatizada, Eve é encontrada e levada por Winston (Ian McShane), para a própria Ruska Roma, liderada pela Diretora (Anjelica Huston), onde Eve será criada e treinada para ser uma nova peã deste universo de assassinos, assim como aquele que chamam de Baba Yaga. Agora, mais velha, Eve torna-se uma assassina e parte em busca de respostas, buscando vingança pelo seu pai e lidando com a tal Cult, liderada pelo Chanceler (Gabriel Byrne), que está atrás de seu filho Daniel (Norman Reedus), que busca deixar a Cult para criar a sua filha em paz. Basicamente, isso tudo acontece enquanto o John Wick foge da Alta Cúpula durante o terceiro e quarto filme, e a história se passa em paralelo à narrativa principal, onde é legal pela ótica de que finalmente vemos que o John Wick não é único naquele universo e que nem tudo gira ao redor dele ou do que ele está fazendo, é legal expandir e ver que existe muito mais coisas além do que já tinha sido apresentado, acho que esse é o principal acerto da obra, que é dar esse sentimento de que é um mundo vivo, onde você pode jogar um personagem em qualquer lugar do mundo e lá vai ter uma história conectada para ele fazer parte.
A direção aqui fica a cargo de Len Wiseman, diretor conhecido por ser o responsável por diversos filmes da franquia "Underworld" (os quais eu nunca assisti algum sequer), e aqui ele faz um trabalho competente, repleto de boas ideias para cenas de ação, coreografias interessantíssimas, mas, ele acaba perdendo um pouco a mão na história. Vamos lá: a história de algum John Wick é excepcional? Não, não é, são todas histórias muito simples, mas que vão criando no entorno uma mitologia excelente, que vai deixando o universo muito rico, enquanto vai moldando o John Wick dentro daquela loucura e transformando em uma história dele. Aqui, temos uma história que é sobre a Eve desde o início, e isso não é um problema, o problema é que demora 45 minutos para a história começar de verdade. Passamos o primeiro ato todo como uma apresentação da personagem, mostrando a infância dela, o treinamento, o primeiro encontro com o John Wick e a primeira missão. E aí que vem meu primeiro questionamento: do que serviu todo esse tempo? Ok, a apresentação da personagem realmente é muito bem feita, você cria um apego por ela, mas acho que poderia ter tudo sido resumido melhor e ter uns vinte minutos a menos, fica muito maçante acompanhar uma série de coisas em tela que não levam a lugar algum. Honestamente, ficaria melhor numa estética onde os flashbacks iriam aparecendo ao longo da trama, e não tomando a trama de assalto por grande parte dela. São 124 minutos de longa, aproximadamente 8 de créditos, mais 45 de apresentação, o que sobra para a trama real são míseros 71 minutos.
Outra coisa que eu acho que perde a mão é como eles relacionam com o universo John Wick, onde poderia ser apenas uma história situada nesse universo, o que funcionaria 100%, mas não, eles fazem questão de enfiar o próprio John Wick com um papel no filme, e um importante, e aí eu acho zoado, pois perde-se o impacto da protagonista, onde vemos a construção dela o filme todo, com background, com treinamento, com traumas e com objetivos, para no final ela ser ajudada pelo John Wick num problema que ela resolveria sozinha. A inserção dele na trama eu achei muito preguiçosa, parecia um desespero do estúdio em enfiar o Keanu Reeves de alguma forma aqui dentro para chamar bilheteria (que, pelo visto, não deu certo), e as cenas dele roubam muito o foco da Ana de Armas, é uma visão que acaba soando até meio sexista se parar para analisar, pois a personagem feminina só concluiu seu objetivo porque o personagem masculino muito mais brabo apareceu para resolver. Cara, esse filme não deveria passar exatamente a mensagem contrária? Pô, meio sacanagem com a Ana de Armas, deram para ela um papel protagonista de ação, o que já é raro para uma atriz, mas aí o cara resolve as coisas antes dela. Sei lá, fica um sentimento amargo, foi um vacilo.
Muito daqui é baseado na lore da Viúva Negra da Marvel, honestamente seria um filme muito melhor para a Viúva Negra no MCU do que o que foi de fato lançado. Eu achei interessante como eles trabalham a Ruska Roma, esse local que cria guerreiros, como eles expandem para algo a mais do que a gente já tinha visto, é bem interessante, e ver como impacta na história da Eve também é bem bacana. No entanto, o que eu acho que faltou foram relações mais próximas para a protagonista, pois eles ensaiam várias vezes que ela vai ter algum laço com outro personagem, mas ou cortam este pelo resto do filme na cena seguinte, ou matam, acaba que ela não tem nenhuma relação que faça a gente comprar algo a mais do que a superfície dela que nos é apresentado inicialmente. A melhor relação que ela tem é com o pai, que é morto no prólogo, acaba sendo suficiente para justificar a jornada dela ao resto do filme, mas nunca suficiente para comprar totalmente o que ela faz. Dá para entender, mas comprar é outra coisa, eu até consegui em um certo ponto, mas demora, e depois é tudo anulado com a inserção do John Wick do absoluto nada.
Mas, apesar de seguir a mesma vibe, devo admirar o trabalho que fez Len Wiseman em tentar inovar, já que um dos atributos mais legais da franquia é ver qual o jeito mais louco que eles vão matar alguém no próximo filme, e aqui existem ótimas ideias. Tem a granada que explode casa, martelo no nariz, machadada, atirar em alguém enrolado em plástico e o sangue se espalhar pelo material, e são diversas novas, mas a que eu achei mais legal foi a Eve combater um lança-chamas usando uma mangueira, essa aí foi muito braba. A coreografia também está excelente, eu gosto de como eles usam a câmera passeando ao lado da ação, como é gravado. Passa longe de ser como o Chad Stahelski faz, a comparação é inevitável, mas dá para dar uma aliviada, pois o Stahelski tem uma genialidade muito grande para construir as cenas dele, toda a mise-en-scène ali é algo que nem soa Hollywoodiano, especialmente nos dois últimos, e nem todo o diretor tem isso, o Len Wiseman não tem isso, o que não é um demérito, já que ele é bastante competente. Por mais que eu acredite que saia muito mais sangue do que sairia na vida real, a quantidade de sangue soa exagerada demais para míseros tiros de 12 algumas vezes, mas prefiro relevar, é besteira reclamar disso.
Sobre a personagem principal da Ana de Armas, creio ser um grande acerto, já que ela funciona muito bem. Eu gostei dela como protagonista, acho que ver a Ana de Armas literalmente de armas já é um fator que me agrada pela ironia, mas acho que ela é uma pequena estrela de ação perdida desde a sua participação pequena em "007 - Sem Tempo Para Morrer" (2021) e aqui aproveitam bem daquele potencial para transformar no que carrega o filme. E basicamente ela tem que carregar sozinha essa trama meio morna para frente, coisa que ela faz com êxito e deixa o filme um pouco melhor. A personagem tem um desenvolvimento bem bacana, mas ela em si nas cenas de ação é o que faz ser bem melhor, porque visivelmente existe uma entrega dela, algo mais físico, que acaba sendo sentido pelo espectador. Sem contar a vantagem dela para o Keanu Reeves, que é que ela é de fato uma boa atriz, então a personagem é mais séria e se mantém nesse tom mais próximo do John Wick, mas quando precisa sair para demonstrar uma emoção, continua bom, então ela consegue trazer um peso emocional maior para a personagem e para a obra como um todo.
Acho que é isso, não tem mais nada a ser dito, tem questões técnicas, mas não foge muito do padrão da franquia, tem outros personagens retornando, mas acho que nem juntando tudo isso daria um parágrafo. Sem mais enrolação, dá para se dizer que "Bailarina: Do Universo de John Wick" é realmente uma expansão do universo de John Wick, mostra que há um mundo muito maior e muito além do que vemos acontecendo com a trama da Alta Cúpula, prova que é um universo vivo que pode-se trazer vários tipos de histórias, onde é só colocar tal personagem em tal local que já vai gerar algo minimamente interessante. No entanto, eu fiquei me perguntando o filme todo e não tive respondido se essa história em si era realmente necessária. Por um lado, é legal ver a expansão do conceito da Ruska Roma e ver a Ana de Armas saindo na bala com meio mundo. Por outro lado, decisões criativas erradas me afastaram do que isso poderia realmente ser, tendo dois problemas crônicos que jogaram a obra para baixo. No geral, é bacana, um bom entretenimento, mas fica o sentimento de que ou poderia ter sido mais, ou não poderia ter sido nada, qualquer uma das opções me desceria mais que o resultado final.
Nota - 6,5/10