Crítica - Better Man: A História de Robbie Williams (Better Man, 2024)

Uma cinebiografia original e fantástica.

Você conhece Robbie Williams? Bom, se eu te falar este nome, você provavelmente pensará no ator Robin Williams, que realmente é mais famoso, mas se você conhece algo de novela ou de música romântica, você talvez conheça o cantor britânico o qual esse filme fala. Eu sei que ele é muito famoso, tem muitas músicas de sucesso que tocam naquelas rádios no bloco de flashback, as músicas mais famosas dele são lentas, bonitas e falam muito sobre amor, obviamente, mas também dele mesmo e de como ele se sente. Sendo ele um fenômeno no Reino Unido, sendo uma espécie de rei para os britânicos, eventualmente veríamos uma cinebiografia dele em algum momento. No entanto, o que surpreende primeiro é que ele está não só envolvido, como ele contaria sua própria história dentro da obra, sendo diferente de muita das coisas que nós vemos nessa onda de trazer histórias sobre grandes estrelas para telonas. No entanto, eles vão além, e ele se representa através de um CGI de macaco. Exatamente, ele é um símio computadorizado cantando, dançando e agindo como humano. Essa decisão criativa vem por ele se considerar um "macaco da indústria" depois de tudo que ele passou. Isso aí, sendo tão diferente e original, me interessou pelo filme, que originalmente nem teria crítica por aqui, mas enquanto assistia, percebi que era necessário escrever algo a mais do que uma simples review no Letterboxd.

Robbie Williams (Jonno Davies) é um jovem talentoso, aspirante a cantor, que sempre foi envergonhado e ansioso, ao mesmo tempo que era criativo, inteligente, exibido e sonhador. Acompanhamos toda a sua jornada, desde sua infância e um sonho crescendo pela influência de seu pai Peter (Steve Pemberton), que era muito fã de cantores dos anos 50 e 60, até o momento do abandono do mesmo, a relação com sua mãe (Kate Mulvany) e sua avó (Alison Steadman), a sua entrada para a boyband Take That, sua ascensão ao estrelato com a banda, depois dentro da mesma, sua saída, carreira solo, o relacionamento com a também cantora Nicole Appleton (Raechelle Banno) e a parceria com o compositor Guy Chambers (Tom Budge), além de todo o sucesso que ele teve na Grã-Bretanha, até seus problemas com álcool, drogas, relações ruins dentro de sua vivência na indústria e também na vida pessoal, e como tudo de bom e de ruim colaborou para o seu sucesso e para tudo que ele é e representa hoje em dia. O longa é dirigido por Michael Gracey, diretor de musicais, responsável por um dos de maior sucesso nos últimos dez anos, "O Rei do Show" (2017), que particularmente eu não gosto, mas não dá para negar a qualidade das cenas musicais por lá. Gracey aqui então faz do longa algo bem espetaculoso, excêntrico e diferente, trabalhado algo bem diverso e trazendo uma experiência mais divertida, ao mesmo tempo intrusiva e um ar diferente para todas essas obras de biografia que temos no cinema.

É um musical, não só uma história sobre um músico fazendo música, mas existem as cenas musicais com os personagens cantando em cena e isso movendo a história para a frente de alguma forma. E todas as músicas são de fato músicas do cantor encaixadas em momentos diversos, com o primeiro número já sendo de seu grande sucesso "Feel", interpretado por sua versão mirim após ser abandonado por seu pai. Então há essa malemolência de saber onde cada música da discografia de Robbie se encaixa melhor, ou em qual situação ele se baseou para realizar tais canções e colocá-las no que ele sente que são os momentos-chave de sua vida. Obviamente, não conheço da história do cantor, então não sei o que fica faltando como biopic ou que era essencial que foi deixado de lado, ele não é um Michael Jackson que sabemos cada detalhe de sua vida pessoal (talvez seja lá na Inglaterra), então fica difícil saber se ele ignora alguma coisa ou conta tudo sem papas na língua. Mas, o fato é que as músicas aqui são bem encaixadas e realmente temos várias bem famosas que eu nem sabia que eram dele. Tem várias faixas dele que foram trilhas de grandes novelas aqui no Brasil e estão presentes no longa, como "Angels" e a que dá título ao longa, "Better Man", assim como covers que ficaram famosos na voz de Williams, como "She's the One", por exemplo. Além de que temos músicas do Take That, como "I Found Heaven" e "Relight My Fire", e de outros músicos que Williams admira ou se inspira, como "Land of 1000 Dances", de Chris Kenner e "My Way", de Frank Sinatra, músicas também as qual ele já performou (ele é muito maior do que a gente pensa na real).

Gracey conta a história com muita firmeza, sabendo quando o longa tem que ser acelerado, tem que ser ágil e divertido, contar a história de maneira descontraída e que consiga gerar musicais mais fantásticos, mas também sabe ser sério e dramático quando precisa retratar assuntos mais pesados e complexos, grandes dilemas vividos pelo biografado. Existem muitos momentos onde você vai se divertindo, a trilha original, composta por Batu Sener, te induz a ir numa diversão, até porque o próprio Robbie Williams é um cara muito louco, sempre para cima e que tem vários momentos performáticos, apesar de tudo que ele vive, que é retratado num drama muito bem construído. Existe toda a problemática dele com a depressão, que ele detesta que seja atribuída a frase "conviver com depressão", pois ele considera "depressivo" o certo a ser utilizado, e como isso impacta na sua vida pessoal, tendo vício em álcool e cocaína já aos 21 anos, participando de um relacionamento com Nicole Appleton, que era controlada pelo empresário de sua girlband All Saints e a forçou a abortar o bebê que ela teria com Robbie. Realmente, dá para sentir porque ele se sente um macaco da indústria, tudo que ele passou na mão de tantas pessoas, direta e indiretamente, transformando ele em quase uma marionete do sistema, alguém que mal conseguia viver sua própria vida, como ele virou refém de si mesmo e de seu jeito de viver.

Existem cenas muito interessantes, que servem para avançar a trama e conseguir encaixar tantos anos de história em um só longa de duas horas e quinze minutos, existem sequências de acontecimentos, números musicais, que vão contando as vivências dele enquanto a história vai avançando, como o dueto entre ele e sua namorada com "She's the One" onde vai mostrando a história de todo o relacionamento dele com Nicole de uma forma compacta, mas que passa inteiramente a mensagem. Assim como o número de "Land of 1000 Dances", que vão avançando no seu sucesso, enquanto mostra o quão ele vai ascendendo profissionalmente, atingindo primeiro lugar nas paradas, tendo shows lotados e músicas tocando sem parar no rádio, ao mesmo tempo que ele vai descendendo pessoalmente, tornando-se cada vez mais viciado em drogas, em cigarro e em álcool, cada vez mais vai se afastando de sua noiva, traindo ela com múltiplas mulheres, e desenvolvendo uma ansiedade e problemas pessoais que vão o consumindo lentamente, o transformando em outra pessoa, é bizarro ver como ele tinha de manter uma persona carismática e divertida enquanto passava por tanta coisa que é justamente ao contrário disso, ele já não era mais quem ele era, mesmo atingindo o que sempre quis, tornou-se quem nunca quis ser, cada vez mais preso dentro daquilo que foi criado sobre ele. Uma cena que coloca isso perfeitamente é como ele tem de agir normalmente, performar, agir como um rockstar que ele é, após saber da notícia da morte de sua avó. É uma cena impactante, que nos leva à performance de "Angels", que é um dos momentos apoteóticos do longa.

É excelente como progressivamente essa história vai ficando cada vez mais pesada, trazendo todos os elementos e sensações da vida de Robbie para contar essa sua ascensão profissional durante sua queda pessoal, como ele vive seu auge durante um momento que ele não consegue nem mais conviver consigo mesmo. Eu gostei como o longa não esconde os problemas do artista, ele estar envolvido, reconhecer seus erros e seus problemas e contá-los para todo o mundo, é de uma coragem imensa, é admirável. Eu gosto muito da retratação que ele tem, não só de macaco, como ele se trata não como um coitado, mas como alguém que teve vários problemas causados por si mesmo, ele não culpa os outros, ele se vê como o principal responsável pelas situações que ele se encontra enquanto os demais viram apenas problemas que ele precisa resolver. Toda relação saudável sua é comprometida por erros dele mesmo, ele ferrou sua relação com sua noiva ao traí-la na casa deles, comprometeu sua relação com a mãe e a avó doente ao deixá-las e mal ir vê-las por conta de tudo que ele vai vivendo, ele ferra sua relação com seu melhor amigo ao dizê-lo que sua preocupação é inveja. Tendo também sua conturbada relação com seu pai, que o abandonou, que entrou de novo em sua vida após a fama, que até o ajudou na carreira, mas que se preocupava mais com a persona de Robbie Williams do que com seu filho Robert. Essa relação de pai e filho gera ótimos momentos dramáticos, tendo vários momentos impactantes onde deles conversam, onde o pai tenta convencê-lo a ser algo que ele não está conseguindo ser mais, onde ele está todo comprometido mentalmente e seu pai continua o pressionando pelas conquistas que ele está prestes a desbloquear, realmente é impactante, e a maneira como termina, com o perdão, com o reconhecimento mútuo um pelo o outro, é realmente bonito.

A questão da depressão e da ansiedade dele é muito bem trabalhada, tem vários momentos que você sente o real impacto daquilo tudo. Passei por isso brevemente antes, mas aqui falarei melhor como o longa praticamente conta tudo isso através dos números musicais, como isso é contado através de vários dele, como ele vai se perdendo a cada vitória e a cada derrota que ele sofre. O número de "Come Undone", que vem logo após sua expulsão do Take That, que é um número que mostra ele dirigindo loucamente enquanto canta, como ele se sente na pressão, na loucura de ser alguém, mas como isso é sua maldição ao mesmo tempo, como ele pensa que tudo que acontece com ele será tratado, sendo mostrado de uma maneira visualmente fascinante onde vemos ele caindo com o carro na água e sendo perseguido pelos paparazzi mesmo afundado, mostrando o quão perseguido ele se sentia. Outro bom momento assim é durante a apresentação de "Let Me Entertain You", em Knebworth, sua maior performance, para mais de 125 mil pessoas presentes, onde na plateia ele começa a ver várias versões de si mesmo o ameaçando, como se fossem versões dele vendo que aquele no palco já não era mais o verdadeiro Robbie Williams, ou melhor, Robert, e ele precisando enfrentar esses demônios de frente, tendo uma cena de ação musical completamente inesperada, mas muito massa, com ele aceitando que está perdendo para si mesmo, levando-se a buscar ajuda para combater tudo isso de frente. Posteriormente, tudo acaba resolvido, com um perdão aos membros do Take That, uma reconciliação emocional com sua ex-noiva, e um estabelecimento de quem ele quer ser daqui para frente com todos, incluindo seu pai, o qual ele supera os problemas e tenta seguir em frente, o agradecendo pela inspiração e pelo encorajamento.

Tecnicamente, é também fascinante. Primeiro que esse CGI do macaco é espetacular, é bizarramente bem feito, especialmente que eles não fazem qualquer coisa, eles vão adaptando o bonecão de macaco a tudo que Robbie vai mudando em si visualmente, os cortes de cabelo sendo retratados, as tatuagens indo surgindo por baixo dos pelos, é bem construído. Não só isso, como graficamente é bizarro como eles vão nos fazendo naturalizar esse chimpanzé interagindo com os demais humanos, soando quase como verossímil ser possível um bicho falante ser tão bem aceito assim em sociedade (foi por isso que Caesar lutou), os detalhes são tão inacreditáveis, é é visível a raiz do pelo em contato com a pele, os poros, um envelhecimento que vai ocorrendo durante o longa, é surpreendente esse nível de qualidade gráfica. Também curto o trabalho de som, é alegado que foi utilizada uma ferramenta de inteligência artificial para unificar a voz de Robbie Williams com a de outro cantor, Adam Tucker, para trazer um rejuvenescimento da voz nas cenas que o macaco está cantando e onde o cantor estaria trinta anos mais jovem que hoje, e essa mixagem é bizarramente bem feita, onde realmente soa como se aquela voz fosse uníssona e ao final, nos créditos, quando toca uma música que é puramente Williams cantando, percebemos que é uma voz que não se encaixaria em alguém com vinte anos de idade. É uma prova que a IA pode ajudar na construção artística de um longa se necessário, tornando-se uma nova ferramenta de auxílio bem interessante.

Vou encerrar por aqui, existem outras coisas a serem faladas, mas sinto que o que era necessário dizer sobre "Better Man: A História de Robbie Williams" já foi dito. É um filme que acaba se vendendo pelo macaco, por essa ideia de cinebiografia diferente, mas que entrega uma baita experiência cinematográfica no geral, já que é uma história bem montada, bem contada e que traz bastante peso para o que conta. Eu gosto muito quando uma cinebiografia é corajosa o suficiente para não tratar o biografado como vítima, traz todos os seus problemas à tona e como ele foi o culpado pelos seus piores momentos pessoais enquanto vivia seus melhores momentos profissionais. Realmente nos apresenta a um cantor interessante, que é um fenômeno em vários países, e que para mim, que conhecia por cima algumas de suas músicas, acaba que criou um interesse, eu fiquei realmente instigado a saber mais sobre ele, ouvir mais de suas músicas e saber como ele está hoje em dia depois de tudo que é mostrado por aqui. A narração dele é uma das melhores coisas do ano, que se complementa com uma direção interessante e bastante criativa de Michael Gracey, que nos entrega o melhor musical do ano (esse merecia 13 indicações mais que Emília Pérez) e um dos mais subestimados da temporada como um todo.

Nota - 8,5/10

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