Crítica - Gladiador 2 (Gladiator II, 2024)
A continuação mais desnecessária da história?
Inegavelmente, "Gladiador" (2000) é um clássico moderno do cinema. Dirigido por Ridley Scott, é a épica jornada de Maximus Decimus Meridius, General do Exército Romano, líder das Legiões Félix, servo do verdadeiro imperador Marcus Aurelius, pai de um filho assassinado, marido de uma esposa assassinada, que busca vingança, nessa vida ou na próxima, após se tornar um escravo e, posteriormente um gladiador. Um grande sucesso de crítica, público e bilheteria, saiu detentor de cinco Oscars em 2001, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator para Russell Crowe. Por ter sido um grande sucesso, gerando mais de US$460 milhões de receita, por muitos e muitos anos foi discutida a possibilidade de uma sequência, com várias ideias sendo postas nas mãos de Ridley Scott e recebendo um sonoro "não". A ideia original era colocar Maximus num purgatório e obrigar ele a matar Jesus e seus discípulos, sendo condenado à vida eterna e lutando nas Cruzadas, na Segunda Guerra e no Vietnã, terminando com ele trabalhando no Pentágono. No entanto, Ridley sempre teve a ideia de focar numa ponta solta do original: o destino de Lucius, originalmente interpretado por Spencer Treat Clark, foge ao final do longa à pedido de sua mãe, Lucilla. Usando isso, ele decide criar uma história baseada, novamente, em pessoas que existiram aquela época no Império Romano, e faz mais uma jornada nesse tempo. Contudo, visto o histórico recente pouco favorável do diretor (com exceção de "O Último Duelo") e com a desconfiança em cima de um projeto ambicioso que custou mais de US$300 milhões, será que consegue se sustentar por si só?
15 anos após sua fuga, Lucius Verus (Paul Mescal) agora chamado de Hanno, é um comandante do exército da província romana da Numídia, que mora lá e é casado com a arqueira Arishat (Yuval Gonen). Durante uma batalha com o Exército Romano, a esposa de Lucius tem sua morte mandada pelo General Acacius (Pedro Pascal), causando uma fúria incontrolável no nosso protagonista, mas também causando sua captura e sua escravidão. Sendo entregue a Macrinus (Denzel Washington), um ex-escravo que agora é responsável por enviar combatentes ao Coliseu, é descoberto o talento e o potencial de Lucius, fazendo com que ele talvez consiga sua tão esperada vingança contra aquele que tirou a vida de sua amada, assim também gerando o seu reencontro com sua mãe, Lucilla (Connie Nielsen). Vemos uma sequência direta de eventos do primeiro filme, e por mais que a morte de Maximus tenha acontecido justamente para tentar evitar uma sequência, é impressionante como sempre acham uma brecha para fazer isso acontecer, mas é perdoável, devido a ser um projeto pensado desde o início pelo próprio diretor original. Acaba que vamos o vendo o longa, mas de pouco em pouco, vamos percebendo uma coisa: é exatamente igual ao anterior. A mesma estrutura, os mesmos eventos, as mesmas relações, apenas mudando os atores e o nível de produção, já que hoje em dia o CGI está muito mais aprimorado do que em 2000.
Ridley Scott emula ele mesmo aqui, e bom, sendo um velho de mais de oitenta anos, dirigindo mais um drama épico de período histórico com uma longa duração (o quarto em sequência), percebe-se tanto que ele está realizado em conseguir finalmente fazer este projeto, quanto que ele está no automático para ir logo para casa analisar qual próximo projeto de Alien ele vai dar dinheiro para rolar. Acaba que soa como uma tentativa de ser igual ao que ele já fez, mas não consegue ter o mesmo impacto, a mesma grandiosidade, falta emoção naquilo que vemos, falta muitas vezes genuinidade naquilo que é colocado em cena. A estrutura narrativa é a mesma: a tragédia, a queda, a escravidão, a negação, a ascensão, a revelação, o confronto, o objetivo, a traição e a conclusão. Tudo isso acontece novamente aqui, mas eu não tive o mínimo do impacto que eu tive vendo a história do Maximus, e o envolvimento com a trama, com a época e com os personagens meio que não se repete, pois há tão pouco tempo para desenvolver mais Lucius, Lucilla, a relação entre os dois, e dão tanto foco naqueles dois imperadores e no Denzel, que acaba que muita coisa que sai com um sentimento vazio, poderia ter saído com algo bem melhor apresentado.
A maldição desse filme, na realidade, é a existência do primeiro "Gladiador", que é um filme que está marcado nas cabeças como um grande épico. É a mesma coisa que eu falei de "Furiosa: Uma Saga Mad Max" (2024) meses atrás, ter um filme tão amado e, nos dois casos, tão melhor anteriormente, a experiência acaba repercutindo negativamente, pois as comparações são inevitáveis, e aqui é a mesma coisa, pois eu não consigo separar uma experiência da outra. Eu revi o clássico no mesmo dia que o segundo, com algumas horas de diferença, e o antigo está mais vivo na cabeça que o novo, pois naquele havia algo hipnotizante, que impactava, que deixava você fascinado por aquela história e aquela jornada vista em tela, aqui, por ser muito parecido e você criar uma noção mínima do que vai acontecer devido ao que é apresentado já de cara na primeira meia-hora de exibição, acaba que diminui muito o impacto da jornada no espectador. Acaba que muita coisa é inferior e isso cria um sentimento de: "como que vinte anos atrás, com muito menos dinheiro, conseguiram fazer algo tão melhor?". Eu acho que existem questões em que supera o um (já chego lá), mas acho que todo o resto é inferior, tirando a parte técnica, que é um empate, toda a questão emocional, de direção, de texto, de atuação, de momentos marcantes, aquele ganha de lavada.
A forma automática na qual Ridley conta a história acaba sendo funcional em muita coisa, já que cria uma experiência sólida em vários momentos, é consistente, você consegue acompanhar a trama sem que hajam muitos altos e baixos dentro de si, acabam que os grandes problemas de fato estão vindo das comparações, mas é uma zona de conforto que ele adota que não é ruim, propriamente, é apenas uma versão mais preguiçosa de um ótimo diretor, mas que consegue entregar algo bem coeso de se assistir. O destaque vai para as cenas de ação, já que quando eu revi o clássico hoje (dia em que estou escrevendo) foi uma decepção ver o quão mal envelheceram várias cenas de ação, onde hoje soariam ridículas, mas eram outros tempos, só que as desse são muito bem trabalhadas, muito bem construídas. Primeiro que a coordenação de dublês e segunda unidade é impecável, os extras são muito bem encaixados em várias loucuras que ele vai construindo na trama. A apresentação é impecável, aquela batalha entre a Numídia e o Exército Romano é sensacional, a forma como é trabalhada em escala é excelente. As cenas do Coliseu também são grandiosas, trazem um pouco do sentimento épico que faltava, especialmente a parte da batalha marítima, que aquela é absurda. A cena do rinoceronte, que era um sonho do Ridley para o original, também é muito bem gravada, traz uma certa emoção. Acho que peca um pouco ainda no mano a mano, as roupas obrigam eles a lutar de maneira muito durona, mas o resto é chuchu beleza.
Na construção de personagens, é difícil para uma sequência praticamente reiniciar do zero o elenco do primeiro. Eles trazem Lucius de volta, um bom personagem do anterior, mas agora interpretado por outro ator. Mas, olha, devo dizer, um belo acerto de casting, já que o Paul Mescal lembra muito o ator mirim que o interpretou lá em 2000, os olhos e o cabelo acabam que passam a sensação de ser a mesma pessoa. A jornada dele não é grandes coisas, é um clichê batido desse tipo de filme, do cara que perdeu a esposa, teve uma queda e busca sua vingança acima de tudo para trazer justiça a sua falecida amada. É muito parecida com a do próprio Maximus, a diferença é que não tem o mesmo impacto, apesar de vermos a morte da personagem em cena e o sofrimento dele em seguida, no resto do filme não há essa presença que deveria ter. No entanto, Mescal segura bem ao entregar uma boa atuação, que segura e eleva seu personagem, já que ele traz toda essa dureza, essa amargura que existe, essa raiva que há dentro dele e como ele transforma isso no seu maior talento. Ele consegue ter um papel bem forte, que expira liderança e esperança àqueles em tela, mas traz um impacto ao espectador ao mostrar que ele é realmente tão brabo quanto deveria. Sem contar a entrega física ao papel, trazendo bons momentos de ação, ele treinou combate montado em cavalos, luta com espada, ele convence de fato como um gladiador.
A questão é: esse dois anula algumas coisas do um, que acabam diminuindo um pouco até o impacto do anterior. O fato de ser confirmado verbalmente por Lucilla que Lucius é filho de Maximus, acaba confirmando um relacionamento extraconjugal do antigo herói com a mãe do protagonista, fazendo assim que dê uma baixada moral na vingança dele por sua esposa e filho, especialmente no caso da mulher, já que ele trair ela deixa uma mancha na história. Por outro lado, isso pode ser usado num contexto de que até os heróis que pareciam mais perfeitos são falhos, o que poderia ser utilizado em algum momento para motivar ou fazer Lucius se questionar sobre sua posição como um gladiador ou como um príncipe perdido. Acho que o principal erro de direção aqui é perder a mão quanto à referências, acaba que muitas vezes joga-se em tela certas coisas remetentes ao original que terminam sendo vagos. A questão da espada de madeira, as tradições serem respeitadas, isso é massa, mas no final o principal usar a mesma espada e armadura do Maximus é sacanagem, é muito apelativo. Eu gostei bastante dos créditos iniciais inclusive, uma animação recapitulando o anterior, é a melhor parte se bobear, pois a trilha e as imagens naquele momento te encaminhando para um reencontro com este universo, te dá até uma iludida do que poderia ser.
Eu gostei muito do retorno da Connie Nielsen como Lucilla, ela traz bem essa conexão com o original, atrelando as histórias de Maximus e Lucius. Ela entrega muito como essa mãe preocupada, que no início você já sente como ela se sente um pouco vazio em relação ao seu passado, e como muito dela volta após descobrir que seu filho está vivo. A relação entre eles dois, como começa com uma renegação por lado dele, até ele entender e aceitar ela como mãe novamente, conseguindo perceber o porque isso aconteceu com ele e como isso foi fundamental para ele entender seu destino, os dois juntos são um belo combo em tela. Eu também gostei do Denzel Washington, muita gente vendeu ele como a melhor coisa do filme e, bom, não é para tanto, mas ele é ótimo. É o Denzel, não tem do que reclamar, ele sempre vai entregar muito, aqui ele é cativante, risonho, tem ótimas tiradas, piadinhas, tem um quê de excêntrico, mas o que faz ele se destacar é como por trás do carisma, vem a crueldade, vem as segundas intenções, como ele quer chegar ao poder por de baixo dos panos, apesar de muitas vezes ser bizarramente expositivo, mas ele consegue entregar um ótimo antagonista.
Agora, Pedro Pascal tinha um bom personagem, mas que, infelizmente, acaba subaproveitado pela própria narrativa. Ele é um grande general, condecorado pelos Imperadores, mas que faz o seu trabalho por fazer, ele não é a favor daquilo que ele faz, ele se sente culpado por colocar tantas vidas em risco por conta da vaidade de um comandante de um império e planeja até um golpe para dar a Roma um sonho de liberdade. No entanto, é desperdiçado ao ter pouco tempo de tela e não conseguirem criar uma dualidade entre ele e Lucius, mas é legal a conexão que fazem dele estar lá como um dos soldados do Maximus no primeiro e conseguir dizer ao protagonista que seguiria o pai dele até no inferno. Os dois imperadores também são interessantes, um é interpretado pelo ótimo Joseph Quinn, ator que eu elogio na página desde "Stranger Things 4" e eu gosto muito do overacting dele, ele ser exagerado, doidão, se repete aqui e faz total sentido com a personalidade de um líder vaidoso, excêntrico, ignorante, e cumpre bem seu papel. O outro eu já não curti muito, interpretado pelo Fred Hechinger, que esse soa exagerado gratuitamente, a atuação não é boa o suficiente para soar natural como o Quinn, esse até mais para o final fica até demais, não dá mais para comprar. Originalmente, Barry Keoghan seria o intérprete desse segundo imperador, e chega a ser bizarro pensar no "e se...", pois eu tenho certeza que o Keoghan seria muito melhor.
Acaba que o grande destaque é a parte técnica, é realmente fascinante e temos um conjunto que nos leva de volta à Roma Antiga. Hoje em dia tem muito mais recursos e dinheiro para que o Ridley conseguisse potencializar o que vimos no anterior, e aqui acaba com uma fotografia mais viva e clara, que realça a beleza e a espetacularização da época, tendo cores mais fortes e uma condução que faz com que você fique imerso naquela época, o movimento de câmera, como brinca com as proporções, como traz a grandiosidade que a história deve ter, é ótimo. A questão artística de figurino, maquiagem, direção de arte, os penteados, a cenografia, como eles vão criando o império, os cenários, a casa da Lucilla, o palácio, o Coliseu, as colônias, os objetos de cena, as armas, as lanças, os barcos, os tronos, como é surpreendente e fascinante ver isso se construindo de forma tão caprichada, com um finesse gigantesco na construção, como ver as caracterizações são bem construídas, especialmente os uniformes de batalhas, tanto da guerra no começo, quanto das batalhas de gladiadores, os vestidos da Lucilla, os mantos que os personagens usam, os uniformes do Império Romano é tudo tão bem feito que cresce os olhos do espectador.
Os efeitos são muito bons, e o avanço tecnológico ajudou muito o Ridley Scott a fazer várias coisas que eles queriam fazer desde o primeiro e agora são possíveis, o problema é que estoura o orçamento e acaba ultrapassando quase US100 milhões do orçamento original. Tem macaco de CGI, tem tigre, tem rinoceronte, tem leão, tem tudo aqui. Essa cena do rinoceronte, inclusive eu falei antes, era um desejo do Ridley fazer essa cena no primeiro, que foi rejeitada por ser US$3 milhões à época para ser feito, mas hoje em dia é mais fácil de fazer e que bom que foi feito hoje, por ser montado desse jeito e não do jeito bizarro e datado do primeiro, porque é a melhor cena do longa se bobear, o quão doida, realista e emocionante é. Assim como o Coliseu inundado para a batalha naval, esse momento das águas é sensacional, eu fiquei realmente surpreso com aquilo e como eles conseguiram trazer isso de uma forma que convencesse, que fosse um show. O que perde na questão de emoção é a trilha, que não é o Hans Zimmer, ele não retorna, e isso impacta negativamente, pois a música no primeiro é quase um personagem, está presente o tempo todo e ajuda a contar a história, ela está gritando o quão épico é. Aqui, é uma trilha pastel, que tenta emular, mas acabam que as músicas são bem qualquer coisa, genéricas e não conseguem impactar, não causam sentimento, a última cena até tenta, mas de resto fica com uma sensação de "é...".
Bom, não dá para dizer que eu não gostei de "Gladiador 2", mas eu também não consigo dizer que eu gostei tanto quanto eu queria, acaba que torna-se uma decepção. No entanto, diferente do que o Ridley Scott fez com "Casa Gucci" ou "Napoleão", esse aqui não me deixou chateado, não me deixou irritado, eu tive uma decepção, mas pelo menos aqui eu consegui me divertir porque é bem executado, tem ótimas cenas, ótimas atuações, ideias interessantes, uma produção técnica que é absurda, Paul Mescal mostrando que ele consegue ser um ótimo protagonista de blockbuster (alô, James Gunn, seu Flash está aí) e entrega um personagem legal, além de bons coadjuvantes como um todo. A grande maldição aqui é ser a continuação direta de um clássico, que impacta negativamente na experiência, pois as comparações são inevitáveis, e acaba você está comparando um Gol bolinha com uma Porsche, não tem como superar, é bizarro. No entanto, é preciso dizer que foi feito da melhor forma que queriam, já que é melhor ter isso do que o Maximus ressuscitando na Guerra do Vietnã, então vamos agradecer por isso, mas, o sentimento de decepção continua, apesar de que é bom, mas não tanto quanto deveria. No final, acaba que eu fui mais um romano dentro do Coliseu, pois foi massa ver o pessoal se matando.
Nota - 7,0/10